sábado, 15 de outubro de 2011

"TELEVISIONITE'







     Da. Josefa, uma senhora de seus cinqüenta anos, com corpo tendendo a obeso chegou para consulta. Era a primeira vez que me procurava.

     Após o cumprimento, pedi para que sentasse. Notei-a ansiosa.

     - Qual sua queixa? Indaguei como rotina. Com voz um tanto quanto indecisa falou: - Não sei se o senhor pode resolver meu problema, acho que não é sua especialidade.

      Numa cidade pequena, próxima de um centro maior, é comum que o clínico trate apenas casos banais: as tais “viroses”; peça exames complementares, principalmente o “colesterol”. Aliás, o paciente trata o colesterol e deixa de tomar o remédio do diabetes, hipertensão que são doenças graves. Sempre faço questão de realçar que o colesterol, que deve sim ser tratado, é um fator de risco, ou seja, predispõe ao infarto e ao “derrame do mesmo modo que o tabagismo, a obesidade, e o sedentarismo. Mas a informação que assimilam normalmente é que só o colesterol mata.

      Ainda tem os pedidos de receita do Rivotril, o remédio milagroso do momento, que previne o Alzheimer, acalma, faz ter um sono tranqüilo com apenas três ou quatro gotas ao deitar. É tomado por anos, sem previsão de interrupção.

     Minha nova paciente continuou:- Está me caindo o cabelo. Normalmente a queda de cabelos é uma queixa mal explicada que inclui ansiedade, tingimentos excessivos, compulsão de lavagens, sendo mais conseqüência do que doença propriamente dita.

      Como não era aparente a falha, pensei até numa queda difusa. Pedi para olhar.

Mostrou-me uma lesão numular, lisa com o couro cabeludo brilhante, de oito centímetros de diâmetro, típico de alopecia areata. Esta, não é uma doença incomum, tem forte fator psicológico e fatores auto-imunes, desconhecidos da medicina.   

     Geralmente numa lesão única, como da Da. Josefa, é de bom prognóstico, não correndo o risco da perda do cabelo. Basta ir a um Dermatologista, que encaminhei, e fazer os exames necessários. Concomitantemente expliquei a doença e a conduta.

Não se acalmou. Começou a falar que a filha que tinha notado a falha, que a vizinha confirmou. Continuou angustiada, relatando todas as testemunhas de sua enfermidade, que lhe parecia insolúvel.

     Confesso que fiquei confuso: uma senhora de meia idade, sem aparente obsessão por beleza física, vestida sem espalhafato, não justificava tanta angústia. Perguntei-lhe pela vida familiar. Nada aparentava de incomum. A vida monetária, sem alterações do costumeiro. Não parecia ter nenhum problema psicológico grave, falava, apesar de ansiosa, com coerência.

    Conforme decorria minha anamnese perguntou:- Não vou morrer?

    Prontamente entendi a informação. Era uma “televisionite”, o Artista da novela fez quimioterapia, por um câncer, e ficou careca devido ao tratamento, não pela doença.      

      Mas no imaginário de Da. Josefa, como de muitos doentes, temos: Câncer igual careca.

     Consegui enviá-la mais tranqüila ao dermatologista, após o esclarecimento.




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