terça-feira, 6 de dezembro de 2011

CÃO DE GUARDA






Todo mundo que tem um apartamento com terraço passa algum tempo olhando a vizinhança. Li em um livro: a curiosidade é característica dos primatas. Como nunca me ocorreu comprar uma luneta, olho a vizinhança mesmo.

Nesta vizinhança visível, tem uma estrutura de prédio, dizem que está em inventário. Ali mora um jovem senhor fora dos padrões normais; fez divisória de papelão onde dorme, tem vários cachorros e faz orações mulçumanas varias vezes por dia. Não sei se no horário correto, pois nada conheço da religião e nem sei se olha a Meca, não tenho idéia da direção a ser adotada. Pelos comentários, é uma pessoa desiludida ao qual cederam o local para morar e não deixar entrar intrusos. Ao lado tem um terreno vazio, bem murado que completa a esquina.

Atravessando a rua temos dois sobrados que fazem fundo a outro terreno também com muro, mais um terreno baldio e, vários outros sobrados recém construídos ou em construção. Toda esta arquitetura as espiono pelos fundos. No terreno com muro, após atravessar a rua fizeram uma espécie de depósito de material. Eventualmente os trabalhadores que estão nas obras fazem de dormitório e ainda trazem as famílias, sempre temporários. O terreno é pequeno, no máximo cento e cinqüenta metros quadrados, mas acomoda todo mundo nos mini barracos.

Um dia me chamou a atenção a presença de um cão. Não era grande como os para guarda, nem tão pequenos como os de apartamento. Via um animal médio, de pelo entre o marrom claro e o amarelo, curto, com boca grande e latido forte. No Guarujá devido a casas de veraneio, temos pessoas que alugam cães de guarda, para os períodos que estas se encontram desabitadas. Normalmente são animais de grande porte. Atribui à economia do construtor o aluguel de um animal médio.

Este animal começou a passar o dia na corrente e solto à noite. Como a mão de obra mudava constantemente, de tempo em tempos mudavam os humanos cuidadores. Certo dia notei que estava hospedada uma família, ou seja, uma senhora, três crianças um pequeno cão, uma mesa, um varal e um tonel transformado em tanque. O animal amarelo ficou mais dócil; se já estava abanando o rabo para a população itinerante, começou a brincar com as crianças e o pequeno animal que as acompanhava. Decididamente não tinha a menor vocação para guarda, tanto é que certo dia os cães do senhor mulçumano escaparam, este atravessou por uma fresta do portão e se o mulçumano não apartasse sairia machucado pela surra que levou.

Esta família acampou por cerca de dois meses, após o pobre cão ficou só. Era alimentado diariamente, mas começou me preocupar sua solidão.

Passado mais dois meses foi levado para o terreno murado do outro lado da rua. Colocaram uma brasilit recostada no muro como abrigo. O terreno é o dobro, todo gramado com a grama um pouco crescida pela chuva, tinha sido cortada recentemente. O animal continuou só, e o mulçumano passou a alimentá-lo.

Passado quarenta dias de isolamento percebo o animal agitado, correndo até o portão, chorando no muro, tentando escalá-lo.  Olho na rua, a uma quadra vejo uma cadela em cio e o séquito de pretendentes em fila indiana. Fiquei preocupado:- um animal para acasalamento faz qualquer loucura, por certo daria um jeito de escapar apesar de ser um local protegido. Não tinha a menor condição de enfrentar o mundo, em duas quadras estaria perdido e no acasalamento andam-se quilômetros. Não sabia brigar, já apanhara anteriormente. Não sabia atravessar uma rua e o pior, se sobrevivesse a tudo isto não teria a malicia dos animais vadios, não conseguiria comida ou, por não saber brigar ou por assustar os humanos com seu porte maior e sua grande boca. Ainda pensava como ajudar, quando o mulçumano se dirigiu ao terreno.

Creio que acostumado a animais pensou alguma coisa correlata, pois colocou o guarda amarelo na guia e saiu com ele.

Nunca mais voltou, creio que foi esperar o novo emprego solitário em outro lugar.



06/12/2011

Tony-poeta pensamentos


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