terça-feira, 20 de dezembro de 2011

A LUZ DA ÁRVORE DE NATAL (conto)




A LUZ DA ÁRVORE DE NATAL.





Moço, a luz mortífera desta árvore me apavora. Sabe! Já sorri quando era pequeno a contemplando; não era bem esta luz elétrica... Já faz muito tempo. Era a luz viva das velas coloridas que enfeitavam meu lar.

Lembro-me: Mamãe sentava ao piano e tocava uma música natalina; um Papai Noel batia a porta. Entrava cheio de brinquedos e eu ficava alegre. Era feliz, rico, com saúde...

Hoje, cá estou. Meu lar é a soleira desta loja aqui no Conjunto Nacional. É esta loja de brinquedos que tem esta luzinha que a noite pisca... Pisca...

Sabe:- Ela me acusa a noite inteira. Cada piscada diz: Velho! Velho! Até certo ponto eu agüento. Agüento firme esta luz ingrata que me ofende esquecendo que em outras circunstancias já fomos tão felizes companheiros. Uma hora não agüento mais e choro.

Choro toda noite até o nascer do sol e o passar dos carros barulhentos levando os homens ao trabalho.

Mas, há noites que durmo e sonho. Sonho que nem sonhava quando era criança; Vejo Papai Noel descendo de seu carro puxado por lindas renas. Ele vem a mim e como presente me faz subir em seu trenó e me leva ao Pólo Norte. Lá me nomeia seu ajudante e manda-me ficar pregando tachinhas nos brinquedos de natal; e alquebrado e velho que sou, vejo-me gordo, tão gordo que nem o bom velhinho. Acaricio minha barba e ela está cuidada, parecem os flocos de neve que caem mansamente lá no pólo. Mas sempre uma buzina me acorda e, vejo-me de novo em farrapos, sem lar, sem ninguém, sem nada e fico triste o dia todo.

Sabe! Não penso em sair daqui, ir para onde? Aqui quando estou com fome peço uma esmola a primeira pessoa que passar e posso comer. Quando perdi tudo e não restou mais nada, nem casa, nem dinheiro, nem comida, tampouco amigos; enfim vi-me velho e sem recursos, convenci-me tristemente que nada restava, a não ser procurar um lugar para acabarem meus dias. Fui aos asilos, mas estavam lotados. Resolvi recorrer à policia disseram-me que havia um Departamento de Assistência Social. Lá fui, ninguém resolveu meu caso. Perambulei com fome muitos dias pelas ruas. Tinha vergonha de pedir esmolas. Há me havia custado muito admitir que tivesse de ir a um asilo, agora: Pedir esmolas era demais.

Quando a fome apertou a tal ponto que pedi minha primeira esmola, fiquei com tanta vergonha que chorei horas seguidas. Pensei até em roubar e ser preso. Lá na prisão teria casa e comida e não teria esta humilhação novamente. Mas, o modo pelo qual fui educado não me permitiu. Timidamente continuei pedindo esmolas e dormindo em qualquer lugar; tanto fazia parques, jardins, viadutos ou pontes. Enfim era tempo de calor.

Certo dia me ocorreu de ir a uma favela. Lá como acreditava nos dias que sentava sossegadamente em minha poltrona e lia meu jornal; sem saber ao certo como são as coisa. Era o local adequado para quem não tinha emprego. Mil associações de caridades, políticos, damas da alta sociedade forneciam comida e barracos. Como me contavam era facílimo de construir e morar.

Fui à favela. Tudo lá era atroz e imundo. Era beira de um riacho. Andei toda uma tarde. Achei um barraco abandonado, semi destruído. Vi que era fácil remodelá-lo. Joguei meus trapos lá dentro. Logo apareceu o “Leão de Chácara”. Veio exigir o aluguel adiantado. Primeiro tentei objetar que o terreno, bem como o barraco não tinha dono. Mas ele continuou insistindo. Tentei então apelar para a compaixão, a caridade, enfim, tudo que me ocorreu. Nada adiantou. Fui jogado fora da favela e continuei sem destino.

Comecei então, a procurar outro lugar abrigado para me estabelecer em definitivo, como faziam os demais mendigos; mas que nada. Todos os lugares que imaginei estavam ocupados. Havia “residentes fixos” nas portas de Igreja, lojas e outros lugares, menos frios, que oferecessem proteção. Engraçado! Estes “abrigos” tornam-se o “lar dos indigentes”, respeitáveis e intocáveis.

Conforme foi chegando junho, foi esfriando e comecei a ter de andar para não ficar congelado. O vento se canalizava nas pontes e viadutos, não dando para morar nesses lugares. Por muito custo arrumei um cobertor numa associação religiosa e, dias a fio fiquei tremendo. Comecei beber para esquentar, mas não tolerava a bebida. Enfim era um velho doente e a cólica que sentia ao encostar o álcool à boca, era bem pior que o frio.

Pensei que era mais fácil morrer do que viver naquele estado deplorável. Não foi uma só vez que cheguei ao Viaduto do Chá para me atirar e fiquei com medo. Dali abatido, enrolava-me em meu cobertor e dormia, tremendo a noite toda de frio e vergonha.

Num dos dias mais frios do ano passei por aqui. Não vi ninguém dormindo. Aqui é bem mais quente que ao relento, pois não venta. Enrolei-me a meu cobertor e dormi como um anjo.

Do vizinho ao lado, no dia seguinte, fiquei sabendo que quem aqui dormia morreu de frio. Sabe! Não liguei na hora. Só fiquei imaginando que bom se acontecesse isso comigo. Entrei nessa imaginação e até sorri pensando.

Assim fiquei estabelecido aqui desde esta data. O meu cobertor e eu agüentamos bem o inverno e não houve mais problemas.

Mas, agora, época de Natal, esta luzinha faz-me lembrar de tudo que era, de todos que amei e que me amavam. Nesta hora começou meu tormento. Porém, não tem importância, aprendi a não ligar para o que acontece. Logo é dia de Reis e, é só agüentar mais um pouquinho e eles tiram a luz.

Sabe! Aqui até que é bom: Não chove e o vento passa ao lado, sem ficar incomodado com minha habitação.





26?01/1969

tony-poeta pensamentos

Publicada nos Antípodas.






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