segunda-feira, 27 de fevereiro de 2012

DONA ADELIA



                                            DONA ADELIA





A memória mais antiga que tenho de Da. Adélia é alimentando os pombos. Ainda era estudante. Esta senhora, professora aposentada, uma das primeiras de Marília possuía uma casa na esquina da Rua Bahia com a Sampaio Vidal, na Praça Saturnino de Brito, tinha a prefeitura a sua frente. Ali viveu toda sua vida de professora, e aposentada lá ficou solitária.

Duas vezes por dia comprava pipocas e alimentava os pombos, sempre vestindo um casaco que imitava pele, mesmo no calor que faz na cidade.  O que gerava mesmo se considerando o trabalho que a sociedade lhe devia, comentários maldosos.

Naquela época os pombos tinham sido considerados inimigos, por causarem doenças, o fato de alimentá-los, morar só e ser metódica era realmente um motivo de curiosidade.

A praça na época era o ponto de encontro da juventude. Todos marcavam lá para inicio de seus programas ou simplesmente permanecerem batendo longos papos, debaixo da seringueira gigantesca que ocupava o centro da mesma, e de quando em quando tomarem um refrigerante no Bar Bambu, anexo à churrascaria do mesmo nome. Da Adélia era como que incorporada a este logradouro.

Já estava clinicando, quando um dia Dr. Salvestro, para aproveitar o calor intenso, resolveu viajar. Era costume entre nós médicos, responsáveis pelos próprios doentes, dar assistência aos pacientes dos colegas Dispus-me a dar cobertura. Entre os doentes internados estava Da. Adélia; que vim, a saber, ser sua parenta distante, se não me engano prima e, que por não ter outros familiares ele tinha se incumbido de ampará-la.

Da. Adélia estava com uma crise de asma, e medicada. Foi viajar tranqüilo.

Passei a visita ao entardecer, como de costume, vi Da. Adélia, estava com a medicação anterior. Algumas horas depois, piorou a falta de ar. Voltei a Santa Casa. Tinha agravado a sibilancia, entrei com inalação e corticóides, medida tradicional usada até hoje e fui para meu repouso.

Pelas duas da madrugada a enfermagem me telefonou apavorada, realmente apavorada:

-Dr. tem que dar um jeito na Da. Adélia, está dando trabalho.

Voltei a Santa Casa, fui ver o que estava acontecendo. Lá chegando encontrei Da. Adélia com o habitual casaco cobrindo a cabeça, rosnando e tentando morder as enfermeiras. Creio que imaginava ser um cachorro.

A reação a medicação, incluindo corticóides em pessoas idosas é imprevisível e no caso foi inédita. Hoje, o que me fez recordar o acontecido, um padre foi agredido por várias idosas na missa, por uma farinha inadequada para preparo da hóstia que alucinou as devotas, isto na Itália.

Foi medicada, a crise asmática já havia cedido com a medicação, retirado o delírio foi controlada a doença.

Posteriormente foi morar na casa de Dr Salvestro, já incapacitada de viver só. O colega após um infarto que o obrigou moderar o trabalho médico, solicitou que acompanhasse a professora, o que fiz até que esta falecesse tranqüila pela idade.

Não sei se a cidade a homenageou, mas creio que mérito para tanto existe. Mudei-me logo depois de Marília.

A casa onde esta senhora morava é hoje uma padaria, foi anteriormente uma churrascaria.





27/02/12

tony-poeta pensamentos






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