sexta-feira, 30 de março de 2012

O CARRO E O TEMPO


O CARRO E O TEMPO








A estrada parou. Aconteceu alguma coisa. Tem uma grande fila de carros na estrada Guarujá-Bertioga. O trânsito, em sentido contrario não existe. Sim, realmente aconteceu um acidente. Parei no final da fila. Voltar para ir pela BR aumentaria trinta quilômetros e não garantiria ganho de tempo.

Há muito estou brigando para anular o tempo. Conclui que o mesmo não pode me escravizar, pois o tempo que hoje usamos, não é o tempo antigo do nascer e por do sol.

Antes as Igrejas, era época de domínio do catolicismo nos nossos colonizadores, que nas colônias faziam suas Igrejas voltadas ao nascer do sol. Nesse tempo, ou seja, o dia de trabalho começava com o sol. A natureza era a única referencia. Com a necessidade de se produzir cada vez mais, o sol foi desprezado e serve hoje de adorno a postais e a propaganda de hotel para férias; sua vocação para marcar o tempo foi severamente abolida. Hoje tempo é dinheiro e o perseguimos para sobreviver e outros ganharem. Marx que se indispôs é muito complicado.

Portanto, tenho tempo, usando minha veia poética; vamos esperar e, observar.

Sempre achei que a meu lado direito havia uma favelinha. Era onde estava parado. Era um conjunto de quatro ou cinco casas de madeira, a beira da estrada. Lembram em muito algumas favelas das avenidas de São Paulo. Para completar uma das casas virou uma borracharia, creio que muita gente não pare por lá devido o aspecto. Parado em frente observava melhor. De uma casa saiu uma moça vestida normal, sem aspecto de favelada ou excluída. Ora, pensei eu, as maiorias dos favelados trabalham e vestem-se normal. Logo de outra casa saiu uma jovem mãe bem vestida, loira com sua filha, loirinha, parecendo as meninas que certas revistas gostam de postar. Loira de olhos azuis.

Olhei bem de onde saia, era apenas um portão, por certo dava acesso a uma porção de casas. Não era uma favela. Eram apenas caiçaras que por gostarem da terra ou, por serem proprietários daquele terreno, entre a mata e a estrada, por lá permaneceram. Não sei se o tempo os havia afetado. Vestiam-se normalmente, como quem vive nas cidades. Não saberei. Espero que tenham conservado, mesmo sem plantar mais nada, aliás, quando nisso pensava reparei que em latões de óleo, cheio de terra tinham sido plantadas, beirando todo terreno, as folhagens mais delicadas, protegendo-as de pragas, que por certo as sufocariam. O homem também faz isto aos mais fracos. Era realmente gente da terra. Por anos estive errado, era eu e meu carro tentando vencer o tempo.

Avisei pelo celular que iria atrasar. Meu celular só serve para telefonar. Não tem internet nem habilitei aplicativos. Passaram um carro de reportagens e, alguns carros de pessoas que queriam vencer o tempo, tentando furar a fila e ultrapassando a procissão de carros parados. A fila andou um pouco. Alguns carros resolveram voltar e saíram da fila.

Agora parei em frente a um sitio, em minha esquerda que nunca o havia percebido. Cortando alguns arbustos via-se a placa. Propriedade Particular, olhando com atenção percebiam-se ao fundo uma velha e pequena casa tipo rural. Não existia nenhuma plantação. Era apenas uma clareira cortada na mata e, muito antiga. Não se viam animais, nem um cachorro. Em volta Mata Atlântica.

A direita era mata, sendo que entre ela e a estrada havia uma valeta para drenagem de água que descia da serra. Era inicio da pequena serra. Esta é muito úmida e rica em água. A estrada ali praticamente não tinha acostamento, apenas vegetação cortada, mais para dar visibilidade, do que para parar veículos.

Esta estrada é muito antiga, era o único caminho para o Litoral Norte antigamente, estrada de terra e, recentemente foi asfaltada, mas, não duplicada.

Continuei minha observação. A área devastada tinha se refeito, não na pujança da mata original, mas como um jardim. Quando se passa de carro apenas se nota, isto alguém mais observador, um tapete de beijos de várias cores, que se entrelaçam com o verde do mato. Ali parado tudo muda. Começam a se sobressair flores dos mais variados matizes, salpicando as folhagens ora em buques vermelhos, ora brancos, rodeados de flores amarelas, flores mais escuras. Pequenas borboletas passeiam ente elas. Nos cortes do sitio, junto aos barrancos, uma grande renda de samambaias gigantes corrigiu a devastação. Tudo foi refeito. Tudo tem um gosto delicado e sutil.

O carro de reportagens volta. Não filmou, foi minha suposição, não daria tempo. Não deve ser nada grave. Tragédias são filmadas e detalhadas.

Súbito uma luz azul na mata, caiu como folha de papel, era uma linda borboleta. Ao ver o descampado da estrada voltou imediatamente para a mata. À esquerda notei outra, que também se retirou rapidamente. Eram grandes. Tinham mais de um palmo de minha mão, portanto mais de vinte e dois centímetros. Sempre achei que a mata seria difícil para uma criatura de este tamanho sobrevoar, mas ela preferiu. Pensei: na minha infância havia uma febre por se capturar belas borboletas, que se perfuravam sua cabeça ainda com vida com uma agulha e se injetava éter. Viravam quadros de mau gosto que eram vendidas aos turistas do primeiro mundo, que os colocava do lado da lareira achando-se donos da natureza. Coisas de conquistador. Creio que aprenderam a se esconder na mata, para não virarem souvenir.

O tempo andou. Dei partida no carro. Tinha caído uma grande árvore e atravessado a estrada. Os bombeiros já a tinham cortado. A valeta de escoamento e a retirada da mata que a rodeava tinha lhe tirado a sustentação. Não amassou nem carro, nem moto. Apenas atestou que a nossa função de proteger o que restou da Mata Atlântica tinha falhado por displicência. E os animais que nela moravam, há muitos esquilos na Serra do Guararu, que aprenderam que não devem entrar em nossa casa, como as borboletas azuis, perderam seu abrigo e seu ninho. É uma pena.

Entrei novamente no tempo humano.





30/03/12

tony-poeta pensamentos

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