quarta-feira, 21 de março de 2012

O VENDEDOR E O DIA A DIA


O VENDEDOR E O DIA A DIA




Carlos era um vendedor compenetrado, sempre de terno e gravata, como era costume nos anos sessenta. Fazia algum bico nos fins de semana, sempre de gravata.  A esposa dizia que logo mais iria dormir com ela também. O que ele prontamente rebatia, dizendo ser seu ganha pão.

Na verdade estava começando uma área nova.  Na Rua Santo Amaro havia aberto o Shopping News, o primeiro jornal grátis, onde o dinheiro dos anúncios mantinha a empresa.

Tinha passado logo após a sua criação nos escritórios e se credenciado para ser corretor de anúncios. Dizia para Dona Déia, muito mais prática do que ele, que na propaganda estava o futuro. Que em São Paulo só havia a Mc Ellison e duas ou três americanas, que faziam as firmas grandes que estavam no Brasil. No futuro teremos milhares de agencias, uma será a minha. Era na verdade um visionário apaixonado, sob o olhar desconfiado da esposa, que aguentava tudo. Não por devoção, mas que queria morar nos Jardins, mesmo com o preço alto do aluguel; não iria demonstrar que estava passando dificuldades com a crise, que era geral.

Sr. Carlos tinha por hábito, no fim do expediente tomar um aperitivo no Sr. Joaquim. Era o bar do português da esquina, que também vendia leite e o que faltasse no dia a dia; era quase um mini-mercado. O português falava alto e não tinha papas na língua, sempre com os ditados da terrinha, - Os incomodados que se mudem, ou – Quem não tem competência não se estabeleça; sempre com uma fala agressiva pronta. O que contrastava com seu jeito formal.

Por ser encostada a casa era lá que se fazia boa parte das compras.  Ali que parava, tomava um Cinzano com um pouquinho de pinga num cálice, destes que se usa para tomar aguardente.  Apesar do bar neste horário ser lotado, raramente conversava com alguém e solitário ia para casa. Naquele dia, após o aperitivo tinha de sentar com a esposa e fazer as contas. Era o vencimento do aluguel, da escola da filha que a mãe não deixava estudar no Grupo, e as contas da casa. O dinheiro que tinha recebido era pouco.

Feita as contas, era organizado, quando casou tinha um escritório de contabilidade, abriu a planilha e foi conferir o dinheiro. Na época pouco se usava bancos.

Reparou que o português tinha lhe dado troco a mais, muito a mais. A nota de dois era de cor

Amarela, que confundia com a de mil. O português tinha no movimento de inicio de mês, onde o botequim estava muito cheio, com muita gente pagando a caderneta, se enganado e aquele valor alto, próprio de quem comprava por mês, se misturado aos trocados.

De imediato falou que iria devolver. Não se sentiria bem com um dinheiro que não era seu. A esposa perguntou: se a nota errada, somada ao que ele tinha, dava para pagar tudo.

-Ainda sobra, falou ele.

-Então não devolva, oras!

- Não posso fazer isto, tinha tido uma criação muito religiosa e, realmente não ficaria em paz e assim o fizesse.

A esposa armou a maior confusão. Falou que o comerciante aumentava na conta, que era estúpido, que enganava todo mundo e estava ficando rico só de roubar os outros; todos os argumentos que lhe vieram à cabeça foram usados. Não adiantou.

Nervoso e abatido pela discussão saiu, esqueceu até de coloca o paletó, sua marca registrada que até para ir a praia usava, e de manga de camisas, bufando foi até o bar.

- Sr. Joaquim, o Sr. errou no troco. O bar estava realmente lotado.

- Pois conferisse na hora, depois não aceito, falou mal humorado o português.

-Mas... Tentou falar ainda,

-Vocês são engraçados, vão para casa, veem que o dinheiro não dá e vem aqui achando que sou pai de vocês. Não nasci ontem falou secamente.

Nestas alturas Sr. Carlos estava pálido, envergonhado pela situação, completamente trêmulo e arrasado, falou ainda:

-O Sr. é muito mal educado, eu...  Não completou a frase que indicaria que o dinheiro era a mais.

-O bar está cheio, tenho que trabalhar arrematou o comerciante.

Envergonhado foi contar à esposa o que aconteceu. Após ouvir escutou:

- Bem feito, quem manda ficar dando uma de bobo.

Não dormiu direito à noite. Dia seguinte, a esposa já tinha se apossado do dinheiro e pagado as contas; antes que algum fato novo ocorresse. Não ficou convencido de usar dinheiro não dele para as despesas. Mas tinha chegado a uma conclusão:

-Não devo ter percebido o erro porque tomei o aperitivo. Nunca mais bebo. Realmente nunca mais colocou uma gota de álcool na boca.

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