sexta-feira, 13 de abril de 2012

A ENCERADEIRA


A ENCERADEIRA.






Ju estava realmente contente, a satisfação era visível. Acabara de colocar uma pia maior na sua pequena casinha. Ela e o marido trabalhavam, e bastante, com empregos assalariados. Três filhos estudando. Pouco restava de poupança para tornar um pouco mais confortável a casa de mutirão. A pia adequada substituía a prestação do computador dos filhos que acabara de ser quitada. Próxima aquisição só daqui a um ano, quando acabar esta nova parcela.

Lembrei-me que em toda infância e juventude em casa havia controle das despesas Na maior parte das vezes incluía a alimentação. Um queijo, um azeite era programado. Quando em casa foi comprada a enceradeira, abri a porta da sala deixando esta visível para a rua e comecei a mover o barulhento objeto para ser visto por todos. O interessante é que, como não tínhamos empregada, minha mãe me obrigava a fazer algum serviço doméstico, o que detestava e me envergonhava:- coisas de mulherzinha, diziam os coleguinhas, mas muitos também ajudavam suas progenitoras escondidos.

A tal enceradeira quebrou meus melindres. Era uma novidade. Era caro. Por fim uma demonstração social.

Pior foi o rádio comprado anteriormente, tocou a todo volume por uns dias, até o vizinho reclamar com minha mãe e eu receber o devido pito.

O tempo passou. Hoje pouco me lembro de minhas aquisições posteriores. Estão ali como que sempre estivessem presentes. Estes dias o computador de minha esposa teve um problema. O técnico demoraria alguns dias. Não emprestei meu notebook, fui as Casas Bahia e comprei um de estepe, quebraria o galho e ficaria para visitas. Os tempos mudaram?

Sim. Além da mudança os valores se perderam, é um mundo descartável para a classe média. Não há vibração. A pia da Ju tem valor, a enceradeira de minha mãe valia muito, mas, hoje objetos e por contigüidade pessoas tornaram-se descartáveis. Nunca se teve tão pouco sentimento de posse, perdeu-se o sentimento de perda também e a sociedade passou a se comportar como robôs comandados, sem sentimentos e sem vínculos esperando que apareça algum objetivo real, sem ser ganhar na loteria. Enquanto isto as pessoas caminham a esmo sem saber aonde ir e despidas de afetos, o suprem nas telas televisivas onde vive uma sociedade completa que passa a ser a do cidadão, com seus amores e sexos vibrantes.

É uma pena.


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