sábado, 28 de abril de 2012

MEDO


MEDO






Entrei em uma grande loja de vendas de animais silvestres. Era uma loja escura, não muito larga e de uns 30 metros de profundidade. Havia um amontoado de gaiolas cada uma com uma espécie diferente de animal capturado, provavelmente em tempo recente. Estamos nos anos 60. Trabalhava de Office-boy e fazia um serviço na Av. Santo Amaro em São Paulo. Na época este absurdo era permitido.

Aproximei-me de uma gaiola com uma colônia de pequenos macacos. Eram realmente pequenos, tinham aproximadamente um palmo de altura. Como estava escuro aproximei meu rosto da cela dos animais.

O pequeno símio que estava na dianteira arregalou os seus olhos, redondos e negros e expressou um olhar de horror acompanhado de contração facial. Estava em pânico. Todos pequenos primatas se aglomeraram num canto, apavorados com minha intrusão ao olha-los. Fiquei completamente desorientado. Senti, talvez pela primeira vez, o que é pavor. Não teria condições de socorrê-los como pensei: comprar toda gaiola e solta-los em algum Parque arborizados. Meu salário era meio salário mínimo, acabrunhado com minha impotência fui embora. Nunca mais me esqueci do fato.

Continuei pela vida tentando sobreviver, como todos os seres vivos, mas tentava entender o pavor que provoquei no pequeno animal, tão parecido com nossa espécie. Cheguei a uma conclusão:                     

Nós todos temos medo! Tentarei explicar:

Todo ser vivo nasce com algum grau de prematuridade. Nenhuma espécie surge já adulta, salvo os monocelulares. Creio que a razão para tal evento é uma adaptação. O humano nascendo do útero, o único conhecimento que tem da mãe é através de vibrações que lhe chegam internamente, a fala, os afetos positivos e negativos, enfim, apenas estímulos vibratórios. Ao nascer terá uma ampla gama de estímulos auditivos, visuais, táteis desconhecidos, além de um meio completamente diferente: de aquoso para aéreo. Se nascesse pronto, creio que não resistiria ao choque. A imaturidade cerebral faz com que a agressão seja menos sentida, a ponto deste se adaptar. O choro ao nascer pode ser medo, nascer é uma agressão sem dúvidas.

A mãe que, por um problema qualquer chega com gestos brutos e afoitos para cuidar de seu filho provocará medo nele. O mesmo medo do macaquinho da história. Vamos retornar até os objetos, a filosofia já reforça esta ideia há muito tempo. Os objetos se nos apresentam e após constatarmos que não são agressivos, de principio todos os são, poderemos nos aproximar e manipulá-los. O mundo nos olha primeiro e só o olharemos após constatar que seu olhar não irá nos destruir.

Crescemos tentando manipular o mundo que nos olha, para isto buscamos apoio em pequenas coisas, estas nos darão certa proteção imaginária. No inicio da vida, um pano ou um bichinho de pelúcia, como o da Mônica da revista infantil, ele dará apoio a nossos medos. Quando crescermos, os bens materiais da época é que darão a segurança para enfrentar o olhar, sempre atento e assustador da sociedade. O acumulo de bens é a maneira de vencer o medo do desamparo. A história da civilização está cheia de exemplos. As oferendas aos deuses para compensar nosso pecado social, em rituais existem em quase todas as civilizações, e excluindo as excomunhões e a situação de apátridas ou retirantes, sujeitos a todas as humilhações, faz com que o acumulo de bens, ou seja, a previsão de valores para nossa segurança não nos leve a exclusões citadas.

Quanto maior os medos sociais, mais acumulação será demandada. Os grandes generais e os grandes invasores tem no medo a ânsia do poder. Sem o poder se sentirão abandonados, o olhar da sociedade os aniquilará. Para tanto fazem a guerra.

Os fanáticos políticos e religiosos agem por medo, pois não tem nenhuma luz de racionalidade. Basta crer que determinado povo ou religião é do mal que, sem nenhum pensar, atacam não os seres humanos, mas fantasmas e espectros sociais fantasiados, que lhes jogarão ao desamparo e a morte. Na guerra não se mata homens, mata-se monstros alucinatórios que representam o olhar geral do mundo que os persegue.  Se assim não fosse, não se justificariam de forma racional guerras onde cem mil homens de cada lado, munidos de espada apenas, se digladiavam com o único objetivo de cortar a cabeça, literalmente, de seu “inimigo”.

No filme Cartas de Iwo Jima, temos uma demonstração interessante. O comandante japonês captura um americano ferido de morte e o leva para a barraca. Este militar oriental tinha participado de uma Olimpíada na América e falava inglês. Com o inimigo moribundo conversa em frente a seus soldados. A reação destes é de surpresa, por saberem que o americano lhe é igual, isto o filme demonstra claramente.  Tanto é que dois soldados, com a batalha já perdida resolvem se entregar. (No filme foram mortos como não fossem humanos, pois os captores estavam preocupados em mostrar seu valor de guerra e não com objetos que desconheciam). Por outro lado, um dos soldados japonês que não reconheceu os inimigos como seres semelhantes, a se ver acuado e sem saída, entra em pânico, tenta lutar sem armas (levou uma coronhada e foi preso, conforme o filme). A película, que vale para qualquer tipo de fanatismo mostra que, a origem de tudo é o desconhecimento e o medo que o acompanha.

Hoje sei que, o pavor do pequeno e infeliz macaquinho é exatamente a situação do ser no mundo, mundo este que o olha e apavora, por ser desconhecido.

Nas relações de amor, tão caras a nós poetas o medo também tem uma parte importante. Não há aproximação, sem tensão de ambas as partes. O cortejo do amor é feito de medos. Cada um dos elementos representa nesta hora, todo olhar social concentrado. Cada um tenta manter como pode o controle, é aqui que aparecem inseguranças, gagueiras, raciocínios incompletos e todas as barreiras possíveis [esta é a razão que se usa muito o álcool nas reuniões e nestes encontros. Diminuindo-se a autocensura facilita o relacionamento]. Cada amante olha o outro como representante de toda sociedade e aflora seus medos, sempre no amor há uma descarga de adrenalina, hormônio liberado nas situações de insegurança. Na hora há palidez, taquicardia, agitação. Não há nesta relação, nada calma e serena, pois ela não se completaria. A relação de amor, ou seja, a relação de perpetuação da espécie é feita sempre associada à insegurança de ambas as partes. É esta insegurança, este estar fora de si,tão confusa para encarar o olhar do mundo, que faz a aproximação. Quando esta é mutua, gera a nova espécie. O amor é sempre acompanhado de insegurança e medo; como são todas as relações dos seres com os outros e com a natureza.

O ser vivo é o ser do medo.



  




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