sexta-feira, 27 de abril de 2012

A PORFIRIA

 

A PORFIRIA


O jovem casal entrou tímido, vieram preocupados a consulta. Os chamarei de João e Maria. O rapaz tinha 19 anos e a moça 18. Maria, indagada, sobre o que lhe trazia a consulta, logo disse:
- Urinei escuro!
Estamos em pleno verão, temperatura acima de trinta graus, a urina escura significa apenas baixa ingestão de água. Perguntei:
- Quantas vezes?
-Uma só, me respondeu aflita.
Comecei a explicar-lhe o que era baixa ingestão no calor.
João interrompeu: - Nós olhamos na internet.
- Sim, disse Maria, a urina estava da cor que lá falava.
- Como? Indaguei espantado.
- A urina estava de um tom arroxeado, como li.
- Sim, disse Maria, chamei o João e ele viu.
- Mas, uma vez só não quer dizer nada. Falei.
- Como? Respondeu preocupado João, olhei de lado, com a luz indireta, como estava escrito e mudou a coloração, olhei de frente e de lado da janela. É Porfiria!
Porfiria é uma doença infreqüente, sanguínea e genética. É um desarranjo das hemácias, leva a internação ou com dores abdominais intensas ou, com quadro de confusão mental. O diagnóstico é dado realmente pela urina, com técnicas microscópicas adequadas. Não é possível sua confirmação a olho nu.
- João, você exagerou, só se dá diagnostico por microscópio e a doença tem sintomas, Maria não tem. Respondi.
- É Porfiria, sim! Nós olhamos bem na internet e, é isso mesmo!  Falou o jovem marido.
Fiquei imaginando a cena, com os dois jovens, por pelo menos uma hora olhando o vaso sanitário e a internet ao mesmo tempo, tentando se auto diagnosticar. Forneci todas as explicações possíveis. Creio que não os convenci.  Saíram certos que eu estava errado.
Lembrei-me que há poucos dias o Rubens, amigo meu, havia falado sobre um artigo onde desenvolviam um sistema de diagnóstico via internet. Era só digitar os sintomas e o resultado instantâneo sairia, sem necessidade de médicos. Pedi que me enviasse o artigo, mas já o havia perdido. O caso é exemplar.
A medicina requer não só fatos isolados. Uma urina como a citada. Começa do olhar do médico ao paciente, o “olho clínico” popular. Isto inclui as feições do doente, o modo de andar, de falar, de se apresentar. A tradução dos sintomas relatados e, após esta anamnese, um exame clínico, os exames complementares para confirmar diagnóstico e por fim o tratamento adequado. Coisas difíceis de serem realizadas por um sistema de computação.
Por outro lado, por mais variáveis que se alimente o programa, nunca teremos uma imagem completa do que está ocorrendo;  basta ver que num surto de dengue atual: temos desde doentes assintomáticos até óbitos, com formas de manifestação variáveis em cada doente. Não há um padrão de doença no ser humano. Cada corpo tem um metabolismo próprio e reage de acordo com ele a uma agressão.
Com certeza, parte significativa das doenças irá oferecer a falsa imagem de acerto do programa. Na verdade existe excesso de tratamento, este na maior parte das vezes é sintomático, visando alivio de sintomas e não a cura, que é espontânea. Nas doenças realmente preocupantes, a indicação de um tratamento mais efetivo e agressivo não depende só de se colocar sintomas na tela. Tem que ter a visão médica para avaliar realmente o grau de acometimento e risco de um paciente. É aí que haverá a falha. O casal citado induziria um diagnóstico de Porfiria. E, um doente rebelde, aquele que não admite o “estar doente”, seria diagnosticado como virose numa patologia muitas vezes fatal.
Existe uma grande discussão atual sobre doenças mentais. Foi realizado um catalogo com códigos e enquadramento, em todas as doenças desta especialidade. Padronizou-se a doença e trata-se pela padronização. Isto acarretou um excesso de medicação sem benefícios para os pacientes; fora a rotulação de doentes mentais, o que nem sempre condiz com as condições reais.
Um grande grupo, em âmbito mundial tenta derrubar esta infeliz padronização, tendo como obstáculo os laboratórios farmacêuticos, que fabricaram uma medicação para cada “grupo” de doenças e estão arredios a qualquer mudança.
A idéia de se padronizar todas as doenças num computador vai, na verdade, favorecer grandes grupos, mas não trará nenhum beneficio ao paciente, muito pelo contrário.

27/04/12
www.tony-poeta.blogspot.com





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