segunda-feira, 9 de abril de 2012

A Senhora da Serra de Botucatu


A senhora da Serra de Botucatu.







-Moço não tem perigo de o ônibus cair na serra? Lembrei-me desta senhora hoje, pois amanhã vou a Marília passar uma semana.

A Serra de Botucatu faz parte de Mata Atlântica e pelo terreno montanhoso, alto e acidentado ainda guarda a vegetação nativa [felizmente]. A viagem para Marília na época; inicio dos anos setenta, era por lá que se fazia. Posteriormente a Rodovia Castelo Branco, a contornou, passando por lugares menos íngremes e com menor número de curvas. Mas era por ali que fazia minhas viagens mensais para reabastecimento monetário com minha família.

Quando viajava no período noturno, normalmente dormia. O Expresso de Prata fornecia cobertor e travesseiro [bons tempos!]. Nas viagens diurnas, apesar da dificuldade de se ler em um ônibus em movimento, a vista ajudava, não usava óculos, e conseguia ler as matérias da faculdade por quase toda viagem. Não costumava conversar com o passageiro ao lado.

- Moço, falta muito para chegar a Serra?

Era uma senhora de perto de cinqüenta anos, bem vestida, com um vestido que se notava ter sido comprado em loja de grife, apesar de não entender nada de moda; sapato alto com salto fino de uns sete centímetros e uma pintura na face discreta e bem distribuída. Era realmente uma senhora elegante e provavelmente de boa família, como se dizia na época. Apenas um detalhe chamava atenção. Portava uma embalagem de bolso, típica de filmes americanos, onde os mocinhos levavam seu uísque.

- Está quase chegando, respondi, ainda estamos em Itu. Itu é caracterizada por possuir muitas pedras ao redor da estrada, pedras muito grandes, com formações diversas onde minha imaginação sempre viajou com sua beleza. Dizem que tudo é grande por lá, deve ser devido às formações rochosas.

- Estamos na Serra? Poucos minutos depois repetiu à senhora.

- Mais um pouquinho, e estamos lá. Repeti.

- Meus filhos me falaram que a serra é perigosa. Estou com medo. Por isso trouxe este uísque, acho que me acalma.

-Não tem perigo nenhum. Reforcei.

Estava começando a Serra. Sempre a olhei com admiração e como fonte de inspiração. A Mata é linda. Olhar os precipícios cobertos de verde, intocados é realmente alguma coisa fotográfica para a memória.

- Estou com medo, me desconcentrou a senhora. Além de estar na poltrona do corredor, sempre gostei da janela, onde fica mais difícil admirar a paisagem, tinha uma fina senhora tomando uísque e repetindo a mesma coisa. Achei melhor tranqüilizá-la:

- Não tem perigo nenhum. O motorista é experiente e vivo fazendo esta viagem, nunca aconteceu nada.

- Meus filhos falaram que era muito perigoso e, tomou mais um gole.

Nestas alturas estava achando a mesma mal educada. Já que ia encher meu saco, pelo menos dividisse o uísque, coisa que ela não fazia a menor menção de fazer.

Hoje vejo como menti. Algum tempo depois, minha mãe foi visitar-me. Levou consigo o Toninho, um rapaz de dezenove anos que trabalhava para a firma da família, para não viajar só.  Não encontraram passagem de volta no domingo. Tinham que estar em São Paulo na segunda. Emprestou meu carro, o meu fusquinha alemão de teto solar. Capotaram no final da descida. Nada grave, era apenas um desnível da estrada para o acostamento. Ninguém se machucou, os caminhoneiros ajudaram a desvirar o carro que estava de rodas para cima. Foram a Capital. Vazou todo óleo, não repuseram. Fundiu o motor e, fiquei um bom tempo andando de carona. Mas atenuando a mentira, na época não tinha ocorrido o fato.

Não adiantou. Cada curva da serra a senhora dava um gritinho Não consegui ler, nem ver a paisagem.

Finalmente a senhora fechou a janela com aquela cortininha do ônibus. Não deu mais para ler, nem ver a paisagem.

Ela roncava bastante...





09/04/12

www.tony-poeta.blogspot.com






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