domingo, 8 de abril de 2012

`ZÉ DO PITO


ZÉ DO PITO






Todo mundo que passava em Zé do Pito reclamava da sujeira. Afinal de contas, quatro ou cinco quarteirões asfaltados da cidadezinha não eram para ficar sujos. -Antes estava tão limpo. Comiam seu lanche com lingüiça, compravam uns quilos, para levar e iam embora. – A lingüiça valia à pena, diziam eles.

Na verdade a história da sujeira da Cidade de Zé do Pito tem muitos episódios.

A cidade de Nossa Senhora do Rosário da Cabeceira do Rio Feio, nome dada pela avó de Zé do Pito, em homenagem a Nossa Senhora do Rosário de quem era ardorosa devota. A cabeceira era homenagem a escrava Lina que a havia criado e Rio Feio era o nome do rio. Como seu neto começou, além de cuidar da criação e lavoura, a vender lingüiça no posto de gasolina onde paravam os viajantes; começaram associar a Zé do Pito, apelido dado por sempre trazer um cigarro de palha nos lábios. E ficou a lingüiça de Zé do Pito. Por fim referiam-se ao lugarejo como Zé do Pito.

Hoje na placa além de Bem-vindo a Nossa Senhora do Rosário da Cabeceira do Rio Feio, escrito em letras bem pequenas para caber em uma linha, em letras grandes temos Zé do Pito.

O Coronel Fagundes Lucena, avô de Zé, era proprietário daquelas terras, vivia fazendo política, junto com os Cunha Dias da fazenda acima. Na propriedade de baixo o Gomes Abreu não se metia em nada. A estrada, na época de terra, cortava a fazenda dele e dos Abreu e o Cunha tinha uma estrada de acesso apenas.  

Quando estava para passar o asfalto, já tinha até sido aprovado o projeto, Dona Raquel, esposa do Zé do Pito estava esperando seu primeiro filho, e não queria o barulho de máquinas para perturbar a gravidez. A estrada passava em sua porta. Cunha Dias, deputado na época tentava junto ao governador passar a estrada em sua propriedade, mas o desvio ficaria caro, e o Gomes Abreu nem tomava conhecimento. Aproveitando o novo aliado foram falar com o governador.

Este chamou atenção que se tirasse a estrada de Nossa Senhora do Rosário não teria nenhum voto na região. Chamaram o engenheiro.

O Gustavo olhou a reivindicação, pensou e após dois dias chegou a uma conclusão.

A estrada passaria na divisa dos dois Coronéis, se faria um desvio para a Rosário, o Coronel Fagundes doaria cinco quadras para dizer que era cidade, faria um barracão para escola, outro para o centro de saúde. O Governador asfaltaria as ruas e se votaria na criação do Município.

Os coronéis ficariam com a estrada e o Coronel Gomes, que não aparecia mesmo ficaria sem nada, só sobraria o velho túnel que cortava sua fazenda.

Assim a cidade passou a Município e o Coronel Gomes ficou a ver navios.

Feita as exigências de praxe, fizeram uma captação de água do Rio Feio, dois tanques para clorar a água, um tanque para recolher esgoto e despejar no mesmo rio só que abaixo e longe da cidade. Foi feita a iluminação e asfaltada. Era uma cidade. O Coronel Fagundes morreu de doença e a sua propriedade foi dividida entra os quinze filhos. O Zé do Pito ficou com alguma terra e o posto de gasolina. Começou a vender lingüiça, uma especialidade que toda a família cultivava.

Esta ficou famosa e os carros de pessoal que viajava na região começaram a pegar o desvio para comer o seu lanche e levar o famoso produto para casa.  Logo as famílias dos irmãos, vendo que dava lucro, um por vez acabou montando uma lanchonete com venda de lingüiça. Como muitos tinham vendido partes da terra, os novos proprietários, ou montaram um pequeno comércio para os filhos, ou foram se empregar na atividade florescente. Formou-se realmente a cidadezinha.

Os Gomes também deram sorte. Um Japonês, isto é, um descendente, veio à região pensando investir. Todo mundo de olho puxado era chamado japonês. Como não quisesse vender a propriedade o Yoshi, este era seu nome, vendo o túnel úmido da velha estrada propôs parceria para plantar cogumelos. João, filho do coronel se interessou. Plantaram e produzia tipo exportação. Conseguiu então melhorar o acesso a estrada principal, via consulado, e; para ajudar no negocio veio o Freitas, um bom administrador, de confiança dos investidores. Por andar sempre com os investidores, o filho do Coronel Gomes passou a se chamar João Japonês pela população.

Os Fagundes governaram o município desde a criação do mesmo. Inicialmente foi Zé do Pito, depois seu irmão, a seguir seu sobrinho e por fim os dois genros, ele teve duas filhas. Mas na armação de criar a cidade não se pensou no lixo. Não era preocupação da época.

Não havia local para tratamento. A cidade por sua vez não tinha varredura. Quando fundada deixaram para que cada um cuidasse de sua porta. Com o aumento de carros comprando as lingüiças e aumento da população, mais as árvores que plantaram para não afetar a rede de esgotos, que soltava folhinhas miúdas o ano todo. Deste modo o local ficou sujo, com um amontoado de folhas, papel, sacos plásticos e dejetos.

I


O PREFEITO DA OPOSIÇÃO






Foi devido ao lixo que João Japonês, que sempre se candidatou a prefeito e nada conseguia se elegeu.

De inicio contratou o lixão da cidade vizinha, onde mandava com caminhões da prefeitura com o lixo local. Deu algum falatório. Mas o pior foi com as ruas, esta sim deu falatório.

João Japonês, devido à plantação de cogumelos tinha horror à sujeira. Se o cogumelo contaminasse, o que era possível, além de perder o negócio poderia ser processado, caso alguém ficasse doente pelo seu consumo. Isto fez com que ficasse excessivamente rigoroso com a higiene. Ora, a sujeira logo em frente o prédio da Prefeitura foi o estopim para medidas rigorosas.

Inicialmente consertou uma velha Van que se encontrava encostada, caindo os pedaços.

Depois, resolvendo também o problema de seu eleitorado, contratou catorze moças que moravam no Grotão para o serviço. O objetivo tinha duas motivações. A primeira era política, quase todo mundo ali, naquele lugar retirado, de terra ruim, quase miserável, e de difícil acesso, votara nele. Tinha que retribuir e cativar. A segunda era sentimental. Ao visitar o Grotão teve pena das moças que lá moravam. A oportunidade de conhecer um futuro marido era quase zero. Inclusive a mãe de uma delas tinha chamado atenção para o problema. Se fossem trabalhar na cidade, poderiam conhecer, por estar passando o dia todo nas ruas, algum rapaz decente e até dar casamento. Seria a boa ação para compensar o interesse do voto. Era muito penitente e devoto. Logo mandou que viessem todas moças solteiras, em idade de arrumar marido.

Mesmo assim continuavam jogando tudo que era lixo no chão. O Freitas sugeriu:

-Porque não educar a população.

 Ao invés de proibir e ameaçar, eu treino as moças para varrerem o lixo e, gentilmente falarem: Sem lixo fica mais bonito. Basta falar sorrindo.

João Japonês adorou a idéia. Limparia a cidade e daria as suas afilhadas condições de falarem com as pessoas, tinha percebido que ninguém olhava para varredores, era a tal população invisível.

Imediatamente treinaram e foi posto em prática. Resultado excepcional.

Em poucos meses a cidade estava totalmente limpa, ninguém mais jogava lixo. Até o Zé do Pito levava um saquinho para colocar as cinzas e bitucas. Dizia: - Não quero nenhuma mulher do Grotão me chamando atenção por ordem do prefeito.

II


AS ELEIÇÕES SEGUINTES




 Estava chegando às eleições, João Japonês tinha tudo para ser reeleito. A família de Zé do Pito começou a armar a estratégia para retomar a prefeitura. Pensaram muito. Chegaram à conclusão que o ideal era trazer o Rodrigo.

Rodrigo era o neto do Zé do Pito. Crescera na cidade e tinha o apelido de Pitinho. Posteriormente foi estudar na capital. Formou-se em administração na melhor e mais cara escola. Casou com uma moça de boa família e algum dinheiro chamada Laís.

O grande problema era que a esposa não queria morar no mato, como o marido mesmo falava e, , como saira há muito tempo, muita gente não o conhecia.

- Vamos começar pela casa, falou o Coronel, temos tempo. Com a casa bonita a moça vem. Pegue a casa de Balbino, um primo que se mudara, chame este tal de decorador, mas quero o dos bom, e faz ficar uma casa que nem as de filme americano. E seu secretario Julio saiu para buscar na capital.

Veio o arquiteto, pegaram os melhores pedreiros e em três meses tinha a casa como o coronel queria.

Faltava o Rodrigo. Chegou, Laís ficou receosa. Mas, o emprego do marido, mesmo numa multinacional, não era lá estas coisas. Podia ser melhor ali, teria mais tempo e mais dinheiro e o marido poderia ser prefeito e até deputado. Esta palavra deputado lhe agradava tanto, que foi principalmente por ela que concordou com a mudança. No fundo pensava: - Depois de eleito, a gente volta para capital no melhor bairro e na melhor casa. Acabou concordando como o Coronel previu.

Rodrigo andou pela rua, correu as quadras da cidade e, só duas ou três pessoas o reconheceram. Tinham esquecido o Pitinho.

O coronel, ao saber da sondagem do filho falou:

- Isto não é problema. A gente chama uma agencia de propaganda. Trás a mesma do Abreu Cunha que já era deputado. Eles dão um jeito. Tem que ser gente boa, pois o desgraçado do Japonês tem fama de honesto.

Veio a tal da agencia. Fez uma pesquisa, o que era fácil, e traçou o plano para as eleições.

Numa segunda feira, Estênio, o dono da agencia apresentou o plano. Era o seguinte:

Como ninguém lembrava mais do Rodrigo, a campanha teria uma primeira fase. O slogan seria O PITINHO AGORA É PITÃO.

O coronel falou: - Mas vão maliciar.

Estênio respondeu: - É exatamente isso. Além da malicia, vão ver que o Rodrigo cresceu. Agora é quem manda. O nome Rodrigo vai ficar para segundo plano. Daqui para diante vamos chamar de Pitão, reforçou.

Depois a gente vem com o que é mais moderno em propaganda, sem sujar as ruas e dá para ganhar.





Chegou à campanha. Pitão teve outdoor luminoso que contava a trajetória dele e de seu pai.  Contrataram todos os cabos eleitorais da cidade. Apurada as urnas Pitão era o novo prefeito, por dez votos de diferença. O Coronel ficou radiante. Tinham recuperado a cidade.











 


III


 


A ADMINISTRAÇÃO E AS NOVAS ELEIÇÕES








Assim que assumiu Pitão começou a mandar gente embora. Tinha aprendido na Faculdade que o segredo da administração é enxugar a máquina. Olhou toda relação de funcionários.

Começou pela varrição. –É um absurdo tanta mulher pra tão pouco serviço, e ainda gastando um carro e gasolina. Mandou todas embora. No lugar contratou três moças indicadas pelo Tonho, Chico e Zuza que o tinham apoiado. Ainda gozou: - Vão embora e sem namorado, são incompetentes.

A coleta de lixo: arrumou um sitio abandonado e mandou fazer lá o despejo de dejetos.

O tratamento de esgotos foi interrompido: Fica para depois, ninguém vê, falou Pitão.

Com pouca varrição, as folhas das árvores começaram a sujar a cidade. As novas funcionárias, de má vontade varriam uma vez, ao invés de três como era antes, de modo que quando acabava a última rua, a primeira já estava suja.

Para complicar o aterro sanitário, por não ter condições, foi interditado pelo Estado e, o aterro anterior já tinha sido alugado a outro município. Começou a se recolher o lixo irregularmente, por não ter onde despejá-lo.

Em um ano, todo mundo jogava papel e outros objetos na rua, como era antes. Com as chuvas o lixo acumulado entupiu as bocas de lobo. Começou a flutuar sujeira pela cidade.

Os corneteiros do prefeito começaram a jogar a culpa nos turistas que iam comprar lingüiça e, depois começaram a culpar a própria população.

O rio por sua vez começou a não ter peixes, nem um misero lambari para pescar.

Quando se preparava a campanha da reeleição, tinham este problema. O plano era Pitão se reelegeria; o vice, a ser escolhido, assumiria. No segundo ano renunciaria e sairia para deputado Estadual em dobradinha com o Abreu para Federal.

Preparando a campanha foi feita uma reunião. Nela convidaram todas as pessoas importantes da cidade. Omitiram o plano de renuncia, apesar de todos desconfiarem, dividiram cargos antecipados, prometeram todas as vantagens possíveis e impossíveis.

Um comerciante se atreveu a perguntar:

- E a sujeira da cidade.

O Coronel Zé do Pito imediatamente retrucou:

- É o povo que é porco.

Todos concordaram.

Após dois anos, o Município de Zé do Pito tinha seu primeiro Deputado Estadual.








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