sexta-feira, 13 de julho de 2012

A MATA E O TEMPO


A MATA E O TEMPO




Toda vez que passo na Serra do Guararu, ao olhar a mata, sinto enorme desejo de adentrá-la, não como espírito de curiosidade e aventura, mas com espírito de pertencimento. Logo a seguir me vem à cabeça um pequeno poema que fiz em um trabalho:- era para irritar o professor; escrevi em versos uma prova de português. Lembro-me do inicio até hoje:

Se fosse o tempo um relógio

De mecanismo invulgar

Seria pequena pecinha

Sempre, sempre a trabalhar.

Mas,

Tempo não é relógio

Corre sempre desengonçado

Eu não sou pecinha

Está tudo atrapalhado... [o restante não me lembro]

Dou muito valor para o inconsciente, considero a nossa parte consciente como casca de árvore centenária, grossa, cheia de cicatrizes em suas reentrâncias e marcando o tempo; porém, mais que tudo, protegendo o inconsciente que pensa e cria, deixando-o mais próximo do ser que em mim habita. [não tem nada de religioso nisto]. Esta estranha associação começou a ser esclarecida em minha própria profissão.

Levando minha esposa ao médico, um otorrino, reparei que o mesmo inicialmente examinava a região de sua especialidade e só após isto pedia que se sentasse a mesa de consultas. A regra médica é bem clara, anamnese e a seguir um exame clinico detalhado. Havia uma inversão.

Associei a medicina atual, com consultas rápidas e com resultados imediatos, sem programação de prevenção e acompanhamentos. Apenas uma avaliação e se resolve o problema sem nenhum relacionamento com o doente. Tudo acompanhado por um sistema de auditores verificando o trabalho do médico, uma programação internacional de tempo de consultas. Isto as obriga serem muito rápidas, tudo ditado pela OMS.

Finda a consulta, o paciente tem que levar atestado para a escola ou o trabalho, onde: um “médico do trabalho” analisa a doença e o procedimento do colega para ver sua adequação, por fim devolve o doente a sua atividade.

Isto não passa de um mecanismo industrial de controle de qualidade e reparo de peças quebradas. E o mesmo sistema. Achei o relógio e suas pecinhas do poema, que nunca andarão corretas, por na verdade não serem peças e sim pessoas, como na escola em meu trabalho.

Toda a sociedade, se levarmos em conta esta observação, virou máquina. Passamos a ser as peças de uma engrenagem social louca e alienante. Consegui ver o mesmo mecanismo em todos os ofícios, sempre queimando etapas e as invertendo, com a finalidade de solução mais rápida e retorno a produção no menor tempo. 

Tudo começa na escola, que cada vez mais é dirigida para preparar mão de obra e não seres pensantes, tendo a carga de matérias voltadas a humanas muito achatadas e com prioridade com o português, para falar e ler manuais e matemática, para não haver erros nas tarefas, o restante é supérfluo e será ensinado conforme a conveniência do mercado. Ou seja, as peças são torneadas desde cedo e só vão adquirir forma conforme sua necessidade, isto sem que tenham material para contestações, sempre mal vistas e perigosas ao sistema.

Achada a peça sobrou o desejo. Onde este se junta no pensamento? O que é o desejo?

O desejo não é a vontade de ir ao Shopping, comprar uma roupa, trocar de carro ou frequentar um restaurante com bons vinhos. Isto não é desejo, trata-se integração social e convivência em seu grupo. Quando Sidarta quebrou o jejum e fez sua filosofia de não ter desejos, não se recusou a sentar-se e comer. Não era o desejo social a que se referia. Quando o filosofo tenta procurar a origem das palavras, para entender o homem, não se refere a perfeição da gramática, mas sim a sociedade primitiva que originou o pensamento. O desejo não é social; é intimo. É a busca do ser, este ser que dá vida a todos os seres do planeta e os move.

A camada social é adaptativa e mutável, cada época tem um tipo de sociedade, cada animal conforme evolui toma hábitos diferentes, cada planta que em sua mutação com o tempo muda de forma, a única coisa imutável é a forma original da vida, ou seja, o ser.

A mata junto com o mar lembra meu ser primitivo, o ser puro. É o desejo de encontro comigo mesmo, com minha essência.

Hoje temos um humano máquina, tem que desempenhar uma função com perfeição, em determinado tempo, com um padrão de qualidade uniforme. Tem que produzir sempre. A infância é apenas o preparo para o Homem Máquina; aprende as habilidades não para satisfação própria, mas para um mercado que necessita de seu serviço. Se adoecer em qualquer fase, esta máquina tem que ser consertada no tempo mais rápido possível, pois não há tempo a perder, o relógio está andando.

Se for inadequado ou a função que exerce for dispensável: é imediatamente treinado pelo governo ou sindicato para uma nova função, a peça tem de ser usada.

Caso não tenha mais lugar, ou é abandonada a fome, nos seus lixões e palafitas ou, aproveitado no sistema concorrente, onde será peça da sociedade do crime, aceita e necessária para receber o restolho que não cabe no mercado. Não temos mais guerras para fazer a limpeza do excedente. O crime tanto é necessário, que os satélites que acertam um carro de um suposto inimigo com suas bombas de precisão cirúrgica, não conseguem ver uma plantação de maconha ou folhas de coca, apesar de se colherem milhares de toneladas mensalmente. O crime além de aproveitar os descartes da sociedade, dá oportunidade da mesma sociedade exercer a Política do Medo, muito bem descrita por Bauman em seu “Medo Liquido”, que recomendo a quem ainda não o leu.

A busca do ser da natureza de forma pura, no resto de Mata Atlântica remanescente é apenas a forma de meu inconsciente de poesia, livre da casca social, que deforma a natureza, dizer com todas as letras que não sou relógio e, o humano não é máquina. É apenas um ser enganado por outros humanos, que creem que os domínios de todas as riquezas os farão felizes.

Não sei o que é o ser único que nos dá a vida, mas ficar mais perto dele diminuirá a dor dos momentos não satisfatórios. Não sou máquina e quero voltar à natureza para aproximar-me de meu ser. Como disse no poema; Tempo não é relógio. Tempo é vida e, cada instante é um instante de vida. Não somos peças de engrenagens.



14/07/12

Tony-poeta

 








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