segunda-feira, 30 de julho de 2012

QUERIA TER SIDO UM BEDUINO

 

                                 QUERIA TER SIDO BEDUINO



Olhando na face book, vi uma foto de um beduíno e seus camelos. Pensei como seria bom se ao invés de Liberal no Ocidente fosse um Beduíno.
Não era a primeira vez que esta ideia me ocorria. Há dois anos vi uma reportagem e o pensar foi o mesmo. Não é um sonho de adolescente.
Diriam que estou louco, teriam uma série de razões, apesar de que eu não acho. Aliás, ninguém admite sua loucura. Mas decididamente não é loucura. Sei que não posso após os 60 ficar andando no deserto. Mas o que me atrai?
O deserto tem regras rígidas. Não se joga uma folha de papel no chão, bem diferente de nossas praias. Não se agride a natureza, mesmo a nosso ver distante, sendo esta muito pouco povoada de animais e vegetais.
O Beduíno, e gostaria de ser um viajante solitário, é humano. Tem indisposições; como dor de cabeça, mal estar digestivo, febre, viroses; como todo ser vivo e, tem que seguir a jornada. Lá é um lugar que não dá para parar. Os dias são excessivamente quentes e as noites geladas.
Os camelos, sua companhia, apesar de dóceis e inteligentes, também podem ser limitados por incômodos e doenças. Todo humano ama o animal que convive. Um animal doente no deserto deve acarretar grande sofrimento.
Não tem também placas de ruas, nem GPS, [pode ser que agora tenha,] mas o rumo é pela experiência do caminhante, caso contrário é a morte.
Diriam quem me conhece, como se formou esta ideia?
Não tenho parentes árabes, pelo menos até onde sei eles são portugueses. Tenho pele clara, bem clara, pertenço àquelas crianças que nascem loiras e com a idade ficam morenas. Não é uma pele adequada ao sol.
Tive poucos dissabores na vida. Os filhos estão formados e casados. Levo um padrão de classe média, com uma aposentadoria não exagerada, mas suficiente a meu viver e pensar.
Então porque gostaria de ter sido um Beduíno se não tenho nenhuma relação com o deserto? Por que este louco desejo tardio? Qual a razão de enfrentar uma vida muito mais dura que a das grandes cidades?
 Explicação é simples. Viver. Na cidade cumprimos funções sociais. Traçamos um objetivo social e vamos em frente; não vivemos, apenas realizamos tarefas sucessivas e mecânicas, sem olharmos para nós mesmos. É o despertador tocando; o carro, a rotina do emprego, os bancos, os atrasos dos pagamentos para receber e saldar, as necessidades nem sempre atendidas da família e, suas consequentes frustrações. É um eterno correr externo sem nada interno de compensação, não olhamos para nós e sim para tarefas continuas e infindáveis. Não há luz no final do túnel. Até as relações sociais se tornam formais e competitivas. As relações de parentesco diluem-se pela distancia, cada vez maior entre as moradias e os objetivos. Não há coesão em nossa sociedade.
Este Beduíno solitário também tem seus problemas; mas, cada manhã em que prepara a viajem, não coloca combustível num carro, mas trata com carinho os seus camelos que o acompanharão dia a dia da jornada, como participantes.
Ao se deslocar no deserto, têm que conhecer o rumo, os ventos, os redemoinhos na areia, as areias que se levantam sugerindo uma tempestade ou as que se acalmam numa bonança. Ao acampar a noite, tem todas as estrelas do céu comungando consigo a balada dos astros. O ser não esta de passagem na natureza, ele é a própria natureza e, comungando com ela se integra e participa: isto é viver.  
Ao chegar ao destino, parentes e amigos o esperam, sentam em círculo, contam a vida e vivem a família. Há afeto e amor. Eles se amam e a família é à base de sua relação. Finda a jornada, volta ao deserto ser natureza, tanto para ele, como seus camelos. E ao chegarem de retorno a sua casa, mulher e filhos o esperam em festa. Tudo está no tempo certo da vida.
Pena que não pensei nisto quando era jovem.


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