quarta-feira, 8 de agosto de 2012

A MORTE DE DONA CANDINHA e AS QUEIXAS DE UM ESPIRITO

 

A MORTE DE DONA CANDINHA ou AS QUEIXAS DE UM ESPIRITO.


O enterro de Dona Candinha estava concorrido, nunca se vira tantas pessoas em um velório. A vizinhança compareceu em peso. Até as crianças e, os cachorros lá estavam.
Não é que a defunta fosse benquista, todos queriam certificar-se que morrera mesmo e, em apenas três dias. Não mais faria o controle de toda região.
Seu Aito, seu marido, que na Verdade chamava-se Airton Luiz de Almeida, Aito era o nome familiar, não digo carinhoso, pois não corresponderia à verdade. Estava acabando a primeira garrafa de pinga, a qual exibia ostensivamente, sem as implicâncias da mulher.
Todos seus amigos estavam presentes. O pessoal do boteco do Justino, o pessoal do escritório e, antigos amigos de juventude, que há muito não os viam. Todos falavam a mesma coisa:
- Agora vai ser melhor.
Terminado de jogar toda terra que tinha direito, o Espírito começou com muita dificuldade a se movimentar. Logo pensou:
- Já estou quase livre para papear com ou outros espíritos.  E começou a fazer força para arrebentar logo a camada de matéria que o prendia.
- Como este troço é duro, pensou alto. Como essa mulher conseguiu fazer isto comigo? Não deve ser erro genético. As suas irmãs são normais. Dona Eudoxia, sua mãe, coitada dela! Morreu quase a míngua no quartinho do fundo e não reclamava.
-Além de tomar sua casa, para fazer economia, jogou a mãe e o pai no quartinho dos fundos. Uma verdadeira prisão. Não deixava os velhos nem chegarem à porta; até que morreram. Depois foi cobrar dos irmãos todas as despesas, que alegava para cuidar dos mesmos. Dava mais que a casa. Guardou todas as notas por três anos e misturou suas despesas com a dos coitados, que passavam fome.  Tentei protestar, mas ela não ouvia ou fingia não ouvir. Os irmãos não vieram ao seu enterro. Este sepultamento não é o meu, não! Vou conseguir ficar livre.
-Estou conseguindo soltar da parte debaixo. É a mais fácil. As mãos e o cérebro, que problema! Está muito difícil, Candinha conseguiu uma camada de cálcio no perispírito, como pode? Cada vez menos consegui falar. De inicio minha fala distorcia, ou ela é que distorcia, até que não chegou mais. Quem comandava era o cérebro. Sabe: o cérebro comandando sozinho não dá certo.
-Um dia, depois de ela passar por três médicos no mesmo dia; achava que era infeliz porque era doente. Não contou a nenhum que tinha passado nos outros e, foi buscar os remédios de graça, com as três receitas. Coitada da funcionária da farmácia. Consegui me comunicar com o espírito dela e, com dificuldade. Não dava nem para falar com outra alma, para dar a tal intuição. A moça se chamava Arlete. Atenciosamente alertou que os remédios eram iguais e, só mudava o nome. Levou um tapa na cara. O cérebro de Candinha já achou que era perseguição.
-Coitada da Arlete: chamou a policia, mas a velha alegou que era doente, arrumou um advogado grátis do Estado e não aconteceu nadinha.
-Ufa! Consegui me libertar até onde começa o diafragma. Ainda estou sufocado. Lembra o coitado do Aito. Viveu a vida toda sufocado pela Candinha. Eu falava, quando dava, para a alma dele para que fosse embora. Ao invés de ouvi-la tomava umas pingas e não criava coragem. Coitado! Não tinha o que fazer. A mulher também conseguiu controlar o homem. Trabalhava, tomava umas pingas no boteco do Justino, cerveja só quando alguém pagava ou ele roubava algum dinheiro dela. Dava todo dinheiro em casa. Ela dizia que era para a despesa. Mofumbava tudo. Ia para a conta da Caixa, a poupança. Só comprava carne de domingo, na semana era ovo quebradinho, que o Mané trazia da granja; aqueles que não podia comercializar. Da última vez tinha 300 mil Reais guardados, ele vai descobrir agora, na hora que mexer nos trastes da velha. Vai fazer a festa... ou não... Está velho; bêbado e doente do fígado, Pobre homem!
-Um pulmão está livre. Ah! Como é bom começar a se sentir espírito de novo. Lembra-me quando ainda conseguia dar umas intuições. Que decepção! Falava para cuidar dos três filhos e, o cérebro dela cuidava era da vida dos coitados. Foram embora um por um. Os dois rapazes não vieram nem no enterro. A Tatá veio, mas acho que para não dar de ruim. Candinha se intrometeu tanto no namoro, que o Ditinho deu três tapas na sua mãe. Como gostei! Depois disso a moça saiu de casa e está casada até hoje com dois filhos. Acho que vivem bem.
-Só falta o cérebro. Está difícil. Além da capa que me aprisiona, dá choque. Realmente eu era um espírito aprisionado. Como pode! Mas o de cima sabe que tentei de tudo, não tenho culpa da teimosia. É muita ruindade.
-Estou livre, já é madrugada. Creio que as outras almas deem uma volta neste horário, esperando o juízo final. Por dez anos não consegui conversar com ninguém. Que alivio! Posso esperar uma eternidade que ainda estou melhor. Fiz o que pude.
- Credo o cérebro da velha está pegando fogo. Tem um fogo correndo atrás do vigia. É o Fogo Fátuo. Bem se podia esperar, este Boitatá é a ruindade de quem morre e corre atrás dos vivos, não é alma não!
-As outras almas estão ali, vou enfim conversar.  

08/08/12
Tony-poeta



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