segunda-feira, 11 de março de 2013

RUA ORLANDO FREITAS,"SEU DICO"



 

RUA ORLANDO FREITAS, “SEU DICO”.



Era um distrito do Interior, que começava a tomar ares de cidade; chamavam de Anu pela presença desta ave em grande quantidade. O Governo do Estado havia cedido uma grande área para urbanização. A prefeitura por sua vez cedeu a mais plana ao Presidente da Câmara, Juca da Imobiliária, cujo nome era Jurandir da Silva, que trabalhava com terras e casas. Nesta área plana foi planejado um loteamento alto-padrão. A área mais íngreme se estabeleceria um núcleo popular.
O Prefeito e o Presidente da Câmara tinham maioria, e os três vereadores da oposição pouco podiam fazer diante desta falcatrua, de vender terreno publico para o primeiro Bairro Nobre da cidade. A oposição desgastada fazia barulho inútil.
Rafa da Carvoaria, cujo nome era Reginaldo Fagundes, vendo o desgaste evidente que a oposição sofria diante da impotência para tomar uma ação, começou a procurar um grande feito para manter seu mandato.  Foi aí que se lembrou de Seu Dico, o Orlando de Freitas, era muito bem quisto no Riacho, bairro onde tinha a sua base e, desde que este morrera de Câncer de Estomago, nunca mais foi citado seu nome. O que sabia do Seu Dico é que no Natal e no Dia das Crianças este ia com sua caminhonete distribuir brinquedos, sem alarde, sem imprensa e sem nenhum repórter acompanhando. Diziam que era um homem muito bom, mas meio esquisito.
Foi procurar conhecer melhor, descobriu que era dono do Posto de Gasolina e da Oficina de Carros e Máquinas Agrícolas e, que a família ainda residia na cidade. Fez imediatamente a indicação, sem se preocupar com detalhas e logo avisou no seu reduto, onde a aprovação foi geral, até de quem não votava nele.
Levada a indicação para a Câmara, Juca da Imobiliária viu logo uma maneira de esfriar a briga e junto com a bancada aprovou de imediato. Os outros dois da oposição, até Gilmar, o mais politizado, aceitou a maneira de diminuir o desgaste. Estava tudo certo, até que o Fazendeiro Dionísio se manifestou: - O Dico é Ateu.
Silencio Geral, a cidade noventa por cento católica poderia não aceitar. Vai conversa, sai conversa, Dioniso lembrou:- Ele era o melhor amigo do Padre Justino, mesmo não acreditando em Deus.
Conversaram mais um pouco e pediram que o Padre Justino se manifestasse na sessão seguinte.
O Padre compareceu de bom grado. Naquele linguajar de quem está acostumado a falar em seus sermões explicou:
- Creio que eu era o único amigo do Dico. Um homem excepcional. Apesar de seu pouco estudo, como vocês sabem, era nativo de Anu, estudou até onde era possível na época, mas leu todos meus livros de filosofia, e não foi uma só vez. Releu-os continuadamente. Ficou com um conhecimento tão grande, que às vezes, eu, o dono dos livros, ia tirar dúvidas com ele.
Ele, seguindo os filósofos gregos acreditava que o mundo é uma guerra continua; aliás, aí estava nossa discordância, acreditava que para subir tínhamos que cortar a cabeça do que está acima e uma vez no ápice, ele mesmo teria sua cabeça cortada. Por isso, apesar de entender, não entrava em politica, nem em vida social de ostentação.
Dava todo conforto para sua família, com sabem foi um homem que soube fazer um pé de meia, mas a vida dele era tão simples como a minha, às vezes eu tinha que adverti-lo que a camisa estava demais desgastada e precisava uma nova.
Fazia caridade sim, não deixava de socorrer ninguém, nem as crianças do Riacho, mas era muito difícil saber de seus atos, pois ele não falava nunca.
Realmente era um homem que gostaria de ter como Ministro Leigo, mas o fato de ser ateu não permitia; mesmo assim sempre que pude citei nos sermões que ele era o mais Cristão da cidade, mesmo sendo ateu.
E completou:
- Creio que ele não aceitaria tal honraria.
Agitação total no plenário, até a plateia foi unanime que o Dico deveria ser homenageado. O Prefeito que tomava uma cerveja com os correligionários foi até a câmara para dar apoio aos vereadores. Foi quando o Juca, naquela fala incisiva de politico, se manifestou:
- Tem que ser homenageado, vou falar com a viúva e quem quiser me acompanha.
Feita uma comissão, incluindo Rafa, Juca e o Prefeito, se dirigiram a casa de Ester, a viúva.
Lá chegando foram recebidos por Eurípedes, que logo se manifestou contrario, porém, Dona Ester que ouvia a conversa e, sentindo-se importante com até o Prefeito em sua casa, pediu para conversar a sós com os filhos. Serviu amendoim salgado e cerveja, indo conversar com os filhos a seguir.
Mesmo com a intransigência do filho mais velho, a matriarca fez ver que Iris e Helena estavam na idade de arrumar marido e, que escondidas não arranjariam nada. A contra gosto Eurípedes aceitou. O caçula Paris era ainda imaturo para entender tais sutilezas.
Retornando a sala, comunicou que aceitaria, Houve jubilo geral.
No dia marcado, lá estavam os dois jornais da região, com fotógrafos e fotografaram a família com destaque para as jovens Iris e Helena. Estavam presentes, os dois médicos, o delegado, as professoras, os fazendeiros além dos políticos. Ou seja, toda a camada superior da sociedade. O Padre benzeu a placa descerrada pelo prefeito. Houve foguetório e discursos.
Dia seguinte, a foto das moças casadoiras estavam na primeira página dos dois jornais e a Rua Orlando Souza inaugurada.

II


A Rua Orlando Souza era paralela à estrada principal. Saia da Estrada secundaria chamada Estrada do Eustáquio, em homenagem a um antigo sitiante, já falecido. O Sitio ficava no final da estrada, coisa de dois quilômetros, fazendo divisa ao loteamento popular a ser instalado.
Abaixo da Rua recém-inaugurada, que anteriormente se chamava Rua A, há apenas duas outras: a B e a C como paralelas, e duas transversais, ainda sem denominação.  A rua em questão sai do fundo do Cemitério, onde foi construída a Capela e o Velório, bem como o Necrotério e acaba em um barranco de um pequeno monte. Não tem asfalto, que nem outras ruas do povoado.
Por três meses ficou tudo abandonado, até que no meio da quadra começou a construção de uma casa, grande, de alvenaria. Curiosidade geral.
A oposição começou a investigar e descobriu que todo este pequeno núcleo de ruas pertencia ao Gervásio, cunhado do Juca. Corria a boca pequena que era laranja, e fazia todos os negócios escusos do Presidente da Câmara. Foi aí que olharam com atenção ao Plano Diretor da cidade, recém-votado com a doação das áreas; perceberam que a rua se encontrava em zona Rural. Aquele pequeno pedaço misteriosamente foi excluído do perímetro urbano.
Uma semana depois, estava Gerusa examinando a obra.
Gerusa, uma cafetina da cidade vizinha, era conhecida amante do Juca. Ele falava claramente que o homem precisa de duas mulheres; a mulher madrasta que exige tudo direitinho e coloca na linha, mas que só briga; representada por Mariinha, sua esposa; e a boa mãe que acaricia, faz todos os caprichos e só dá carinho, no caso a Gerusa.
Não foi difícil descobrir que tudo era planejado para deixar a amante mais próxima do amado. Logo estavam construindo mais casas, para cafetinas amigas de Gerusa.  Gervásio estava alugando casas. Formou-se a Zona do Meretrício
Com a proximidade da estrada e a novidade na região, esta logo ficou muito frequentada e com ela as ocorrências policiais, como: brigas, garrafadas, facadas, bêbados e por incrível que pareça, pouca droga. Era comentário geral que o prefeito forçava que se fizesse vista grossa, para não dar Policia Federal.
Tendo ocorrência policial, tem manchete nos jornais. De inicio vinham com titulo:
-FACADA NA ZONA DE MERETRICIO DA RUA ORLANDO SOUZA.
Como era muito comprido para manchete, passou:
-FACADA NA RUA ORLANDO DE SOUZA.
Por fim a manchete se resumiu:
FACADA NA ORLANDO DE SOUZA.
A família, constrangida foi procurar o Prefeito e o Presidente da Câmara.  Foram mal recebidos e pouca atenção foi dada ao problema. Dona Ester procurou então o vereador, o Rafa, já que ele havia indicado o nome.
Este mais atencioso conversou com os outros membros da oposição e começaram a discutir o Plano Diretor, maliciosamente errado e a transferência da Zona. Além de nada conseguirem, continuavam em minoria, piorou as manchetes; além da página policial começou a ser veiculada nas páginas politicas, com:
-A ZONA DA ORLANDO DE SOUZA PODE SER MUDADA.
Iris e Helena foram estudar na Capital. Posteriormente casaram por lá mesmo.

III


Cinco anos depois Juca teve um infarto tomando banho e morreu na hora. No velório, além de Dona Mariinha compareceram: José, João e Antônio, filhos de Gerusa que alegavam serem filhos do falecido. Foi um reboliço. Os quatro filhos considerados legítimos tentaram expulsa-los, em vão. Combinaram fazer exame de paternidade.
Exame realizado, confirmado, eram sete irmãos. As casas da Zona, pelo que constava em um “contrato de gaveta” deveriam ser repartidas entre eles. Um advogado foi contratado e iniciou-se um inventário, com previsão de pelo menos vinte anos, dada à animosidade reinante em cada herdeiro.
As casas foram fechadas uma a uma. Em menos de seis meses a Zona deixou de existir e Gerusa mudou para a cidade da família em outro estado.
Casa abandonada é sinônimo de drogas. Foi o que aconteceu. Viciados começaram a frequentar o local, as manchetes atuais são:
BRIGA NA CRACOLANDIA ORLANDO DE SOUZA.
Dico realmente tinha razão.

12/03/13
Tony-poeta

Conto de ficção: os personagens e locais são fictícios.









                                                                                                                                 

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