sexta-feira, 6 de setembro de 2013

AS MEIAS DO PROFESSOR



 

AS MEIAS DO PROFESSOR


Clodoaldo fazia o maior esforço para colocar suas meias, ao dobrar o tronco sobre o abdome o ar faltava, ficava ofegante. Todo dia, desde que Mirtes sua esposa, faleceu em acidente era este sacrifício; antes ela cuidadosa e carinhosamente as calçava para ele. Há um ano era por sua conta.
Estava ele no exercício matinal de colocar seus sapatos quando ouviu:
- Quer que te ajude professor? Era Gerusa, trabalhava com o casal e após a morte da esposa continuou. Acomodado nunca percebeu a moça.
- Quero sim! Obrigado! Notou que era jovem, de estatura um tanto superior a sua.
- Obrigado Gerusa, a seguir foi à escola.
Dia seguinte à situação se repetiu com a ajuda da moça, observou que era bonita apesar de maltratada, dócil e solicita:
- Você mora por perto?
- Sim, há quatro quadras, na COAB.
- Engraçado, você está aqui há tanto tempo e nunca perguntei nada. Você é de onde?
- Sou do Maranhão, vim ajudar minha mãe a cuidar de meu pai doente que já estavam aqui.
- É só você e seus pais?
- Não, tenho dois irmãos aqui, desempregados.
- Bem, um apartamento de dois quartos dá para ajeitar...
- Têm mais minha cunhada e os dois filhos, casada com meu irmão mais velho, falou Gerusa.
- Fica apertado... Falou o professor
- Fazer o quê? Ficou desempregado. Todos vieram morar com a gente, no fim se ajeita.
Com o sapato e meia colocados Clodoaldo saiu para trabalhar, pensativo:
- Dois anos esta moça vive com a gente e nunca falei com ela a não ser no dia do pagamento. Mirtes falava que era boa gente. Nunca prestei atenção, mas vejo que é verdade, além de atenciosa é honesta. Imagine: Os pais doentes, cinco desempregados todos em dois quartos. Só ela trabalha. Acho que os pais devem receber alguma coisa do INSS, afinal tem um apartamento. Mesmo assim, é uma pessoa de caráter.
A conversa continuou diariamente, a rotina passou a ser, tomava o desjejum, papeava com a moça enquanto ela calçava seus sapatos e ia para o trabalho; ficou sabendo que era solteira, tinha um relacionamento com um vizinho que não deu certo, não perguntou o motivo. Tinha estudado o básico antes de vir a São Paulo. Neste conta e não conta acabou numa terça feira indo para cama em vez de para escola.
Daí para trazer Gerusa para dentro de casa foi muito rápido. Em dois meses estava a moça como esposa de papel passado e tudo.
A moça mudou da água para o vinho. Comprou roupas e apetrechos, foi ao cabelereiro, fez limpeza de pele, tratou os dentes. Era outra pessoa e muito bonita. O que ganhava passou a dar aos pais, já que o professor ajudava. Tinha ele além do salario a pensão da viúva e uma boa poupança, sempre foi muito econômico.
Tudo estava muito ajeitado e tranquilo, Seu Zeca o pai de Gerusa estava se tratando, tinha a mesma idade do professor, cinquenta e cinco anos, os cunhados continuavam a procurar emprego sem muito empenho. Tudo organizado.
Aos sábados saia lá pelas onze para bebericar no boteco da esquina enquanto Gerusa preparava o almoço.  Pelas duas horas ela descia, tomava uma ou duas cervejas no grupo e iam almoçar. A rotina estava montada até que Tião Folgado, matreiro e venenoso falou:
- Professor você está muito gordo, vai perder a mulher para o Severino, o antigo namorado.
Aquela tarde Clodoaldo não conseguiu nem fazer a soneca depois do almoço, tinha realmente engordado mais três quilos;
- Afinal Gerusa me trata tão bem, vive fazendo o que gosto, só falta dar a comida na boca. Mas estou gordo mesmo, mais do que sempre fui. Engraçado ela fica alisando minha barriga com tanto amor, mas acho que aquela porcaria do Tião tem razão.
Na segunda feira trabalhou no horário das aulas até achar uma solução. Como tinha aulas vagas conseguiu deixar três dias com a primeira aula livre. Já poderia fazer academia.
Passo seguinte foi ir ao médico, coisa que não fazia há cinco anos; fez todos os exames, eletrocardiograma e tudo que tinha direito. O resultado foi assustador, o colesterol estava alto, a pressão tendendo a alterar, o médico recomendou exercícios imediatamente. Procurou uma academia, como já tinha programado.
Na academia entre a casa e a escola havia o horário que ele dispunha. Quem o orientaria era a Morgana, uma gaúcha com o corpo altamente definido, apaixonada por fisicultura. Foi logo falando que teria muito trabalho para corrigir todos os defeitos. Saiu preocupado.
Em casa procurou na Net o significado de Morgana, era da mitologia inglesa, deusa ou bruxa dos pântanos. Espero que esta gaúcha seja deusa, pensou consigo mesmo.
A rotina da casa mudou. A comida começou a ser uma lição de matemática na conta das calorias; gorduras nem pensar, só carne branca, verduras e frutas. Gerusa teve que aprender esta estranha forma de cozinhar. Não gostou nem da comida nem das contas calóricas. A cerveja do sábado foi totalmente abolida. O professor chegava cansado e ia dormir cedo. A moça começou até pensar que estava deprimida, coisa que não sentiu com todos os problemas de família.
Morgana continuou forçando os abdominais, as barras, os pesos, o professor progredia e era elogiado.
Numa quinta feira, perdendo hora Clodoaldo colocou as meias e os sapatos rapidamente sem falta de ar. Gerusa naquele dia, após o professor sair chorou e foi visitar os pais. Na noite estava quieta, nem conversou, mas Clodoaldo cansado não prestou maior atenção.
Dia seguinte colocou sozinho o calçado e foi trabalhar. Ao voltar tinha um bilhete:
NÃO DÁ MAIS. NÃO QUERO NADA. VOLTO PARA CASA DOS MEUS PAIS. GERUSA.
Não teve jeito, a moça não quis voltar.
No sábado o professor se permitiu uma cerveja e se lamuriava com o Tião Folgado que dizia:
- Não te falei!
- Ela está com o Severino, este era o nome do antigo namorado.
Estava mesmo, calçava as meias no mesmo antes de sair para o Culto e pensava:
- Meu avô e meu pai são gordinhos e sempre calcei suas meias, detesto homens magros!

07/09/2013
Tony-poeta




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