terça-feira, 1 de outubro de 2013

A BARATA E EU



 
imagem google

A BARATA E EU.


Quase meia noite, horário que tomo banho para ir dormir. O dia seguinte seria longo.
Ao fechar a porta do banheiro percebo uma barata quieta, escondida na esquadria de alumínio do box. Olhei mais atentamente, ela me olhava com atenção, não sei dizer se com medo, mas precavida pensando em sair.
Pensei:- Ao abrir a água ela se move, realmente estava curioso. Ela continuava a me observar.
Lembrei-me do filósofo que iniciou um livro referindo suas sensações, ao ver-se nu diante de um gato. Realmente não era o caso, a barata não me inibia.
Abri o chuveiro, ela se encolheu. Percebi que era medo.  Comecei a me ensaboar. Ela me olhava.
Pensei comigo:- Tenho de matá-la. Ana, minha esposa, tem nojo. -Nojo?  Não há motivo, os ralos têm pequenas aberturas; ela não passa por eles, veio certamente de algum dos muitos apartamentos fechados, não veio do esgoto; mesmo no esgoto elas não costumam se banhar, acho que não o usam como piscina. A possibilidade de transmitir doença é quase nula, mesmo não morando aqui. O ambiente além de azulejado as portas são relativamente novas e não há vãos nos batentes para formarem ninhos. Além do mais tem humanos que trabalham nas galerias de esgoto, faz isto à vida toda e ninguém tem nojo deles, aliás, inspiram respeito pelo necessário trabalho.
Lembrei-me que estes insetos vivem em coletividade e, um psicólogo descobriu que se isolar uma de outras do mesmo grupo, esta entra em depressão. Coitada!
- Mas dá alergia, foi o que li num livro. Os pedaços dela respirados provocam crises alérgicas. Olhei-a de novo, encolhida amedrontada no mesmo lugar. Nunca tinha visto nenhuma perder pedaços, a não ser após a chinelada assassina.
- Sim, não anda se espedaçando, pensei comigo. Quer apenas comer o limbo.
-Deve ser pouco limbo, a Karlinha, a moça que nos auxilia, lava pelo menos três vezes por semana, tem mania de limpeza e, passa agua sanitária toda vez. Acho que a comida é escassa. Deve ser uma questão de gosto, apartamento fechado tem muito mais destes mínimos vegetais do que aqui. Devem explorar o território ao redor, “o fruto do vizinho é mais gostoso”. Bem menos que a gente que vai de avião até o outro lado do planeta. Afinal elas são do tempo dos dinossauros, pelo menos foi o que li.
- Espera aí! Desde aqueles tempos e continuaram do mesmo jeito; são melhores adaptadas no planeta que nós. Só o gênero Homo, ouvi falar de uns dez grupos, todos extintos: sempre mudando, guerreando e se matando. Agora é o Sapiens que faz guerras diárias, desde que se escreve a história da humanidade não houve um dia sem guerras. Elas não! Formam seu grupinho, não devem brigar muito, e gostam uma das outras e até ficam deprimidas quando isoladas. Estão muito melhor que nós no planeta.
Estão resistindo. Não vejo mais joaninhas, nem pulgas. Estas sim além de caçar nosso sangue causam dor. Nem minhocas estamos vendo; os pescadores devem ter dificuldade em acha-las para seu laser. Geralmente vão à beira do rio, cortam o anelídeo em pedaços, reclamam que sujam as mãos com seu sangue e linfa, conseguem pescar um mini bagrinho e um piauzinho. Os coitadinhos são tão pequenos que a foto do celular não consegue pegar o corpo inteiro do autor da façanha. Levados para casa, a mulher olha com desdém: Não dá nem para passarinho! Fala ela.
Ele se ofende, ela manda colocar na geladeira que os limpará no dia seguinte e, no dia marcado os pobrezinhos roubados do rio são lançados ao lixo.
Desliguei o chuveiro, ela viu sua chance de escapar e se escondeu atrás da privada. Pensei:
- Ela acha que não a enxergo, doce engano! Como deve ser difícil a proporção do campo de visão em relação ao tamanho. Acho que se eu estivesse me escondendo de um dinossauro faria o mesmo erro. Ela pensa que ocultar-se atrás de um vidrinho de retirar nosso cheiro está escondida, mero engano.
Ela continuou lá, me espiando, certamente com medo, quem não teria?
Sequei-me, coloquei o pijama, apaguei a luz e fechei a porta torcendo para que Ana não entrasse no lavatório e a matasse e, nem que a pobrezinha indefesa saísse para o corredor, o que assustaria o Lacan, meu cão, que tudo o que não conhece evita sem agredir. Ao contrário do ser humano que mata para ver. Inutilmente.
Afinal, dia seguinte iria cuidar de vidas, como sempre fiz.
Obs: Vou apanhar quando esta crônica for lida.

Tony-poeta
01/10/2013



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