quarta-feira, 20 de novembro de 2013

O FUGITIVO

O FUGITIVO


Era José, simplesmente José, assim gostava que lhe chamassem. O mundo para ele era uma viagem e José era um nome comum, se julgava comum e por onde passava era apenas José.
Nunca conversei com ele, as noticias que tive foram por ser folclórico. Em um pequeno Distrito de Panorama por onde ficou por três meses e morava meu tio, consegui ter mais informações. Refere tio Nelson que deu morada a José. Era um pequeno celeiro na chácara que morava.
O moço, descreve ele, era uma pessoa boa que me fazia companhia, sabe um velho morando solitário na beira de um riacho gosta de um papo. Era bom papo.
Ficou um tempo ajudando Seu Chico a cavar fossas, o Dé Bebum que o ajudava tinha morrido.
Ele tinha uma rotina, cada troco que recebia comprava um mantimento para pagar a hospedagem, sempre vinha com óleo, farinha, toucinho ou outra coisa, quando ganhava bem trazia uma carne melhor, sabe tenho porcos e galinhas, carne de boi é festa. Não fumava e não bebia, mas não se incomodava com meu pito de corda da tarde.
Tomava o banho, comia comigo e papeava até a hora de dormir, falava direito, como gente da cidade, sabia muita coisa interessante e repetia:
- Não entendo a sociedade, quando vejo que não dá para entender no lugar que estou, busco outro. Nunca falava mais que isto, nem de sua vida, apenas dizia, não brigo, não mexo com mulher de ninguém e não incomodo.
- Perguntei um dia se não tinha medo de sair à toa, sem saber se iria comer ou ter um telhado e Le respondeu:
- Aqui cavo fossa, sempre tem uma sujeira que dá dinheiro suficiente para comer, a sociedade faz muita sujeira e as pessoas não gostam de limpar seu lixo. Sempre tem alguém disposto apagar para limpar um terreno, preparar o estrume para a lavoura, sempre tem um banheiro num bar da estrada que precisa ser limpo. Nunca me faltou serviço e com o tempo arrumo um canto para deitar.
- Um dia à tarde Seu Chico pagou o que devia, ele passou aqui pegou a roupa, deixou um pedaço de carne boa na geladeira e desapareceu, saiu de novo pelo mundo. Todo mundo ficou triste, era um sujeito bom e o compadre ficou inconsolável, estava sem ninguém para ajudar a cavar as fossas.
Poucos dias depois veio um parente do José procurando seu paradeiro. Ele me disse que não era José seu nome, que o nosso José morava na Capital, tinha estudado e estava em um bom emprego, não era louco e não tinha vícios, e num belo dia pegou uma muda de roupa e sumiu. Deixou apenas um bilhete dizendo que gostava de todo mundo, mas não entendia a sociedade e desapareceu sem deixar rastros. Desde então a família o procurava. Ele já tinha morado em um cortiço, uma palafita, sempre fazendo o serviço que ninguém quer e sumindo na hora que dava na veneta.
Pena que o parente chegou atrasado.
Há dois meses soube que passou por um pequeno distrito perto de Marília. Fui averiguar num final de semana. Tinha ficado no Sitio do Joab. Fui até lá.
Joab um senhor desgastado pela idade tinha um roçado e uma criação de porcos que engordava para as festas de Páscoa e Natal. Perguntei por José.
- Também gostaria de saber respondeu o senhor. Pensei que iria ter o filho para a velhice, já que os verdadeiros foram para cidade grande. Ficou três meses comigo. Era uma boa pessoa, me ajudava muito. Todo dia pegava a carroça e ia aos restaurantes pegar os restos de comida para lavagem dos porquinhos. Dava de comer, limpava o chiqueiro, roçava o entorno, cuidava com carinho. Ainda ajudava na roça, sabe estou velho e era grande a ajuda. Eu pagava o combinado, tentei pagar mais ele não aceitou. Um dia depois do pagamento, sumiu.
Acho que foi para [falou um nome que não gravei]
- Como?  Perguntei.
- E um nome dos índios que moraram aqui, quer dizer caminho dos macacos que sai da pedra pontuda. A gente chama aldeia.
- É longe?
-Voltei a interrogar.
- É logo ali. Sei bem que este logo ali pode ser perto ou muito longe, um costume de Interior.
- Como chega lá?
- Pega o asfalto a direita no contorno, depois a seguir tem uma estradinha de terra, depois da estradinha anda um tanto a pé e está na Aldeia. O pessoal lá é bom. Vem sempre para a cidade trazer o que plantam e criam e trocam pelo que falta e querosene.
- Querosene?
- É: lá não tem luz e só passa carroça. São muito pobres, comem o que plantam e a sobra trocam, dificilmente ganham algum dinheiro.
Fui à procura. A estrada asfaltada acabou em um quilometro.  Segui numa estradinha estreita que subia e descia mais trinta quilômetros, na pedra pontiaguda facilmente visível acabava e, mais dois quilômetros e avistei um vilarejo de casas de barro, com alguma criação, uma plantação mirrada e três caos famintos e magros. Fui bem recebido. Os moradores eram caboclos, como sempre hospitaleiros. Tomei um café fraco como é costume local e ninguém tinha visto José em parte alguma. Não tinha chegado lá.
Voltei frustrado até a pedra pontiaguda onde estava o carro. Achei o lugar meio mágico e fui olhar em volta. Em baixo da pedra estava uma calça de brim, desgastada. Roupa de trabalho. Joab havia falado que José comprou uma calça de brim nova e a velha passou para as tarefas. Certamente era ela e ele chegara até aquele ponto. Porque voltou para trás?
Pensei bastante e acho que descobri o ocorrido. Deve ter chegado muito cansado na pedra, saiu a tarde e certamente era madrugada quando ali parou. O lugar um tanto místico, com as pedras apontando o caminho, o céu estrelado deve ter entendido que a sociedade da qual fugia também estava dentro dele.  Deixou a roupa que trabalhava ali e voltou para casa.

Tony-poeta
20/11/13



Nenhum comentário:

Postar um comentário