quinta-feira, 14 de novembro de 2013

O VAZIO DO NADA

O VAZIO DO NADA
imagem Google



Eduardo caminhava distraído, conhecia todas as pessoas no local que habitava; ora sorria para um, ora cumprimentava outro. Seguia calmamente até ao banco, iria pegar um troco para o final de semana. Apesar de solitário nada o preocupava, tinha uma aposentadoria satisfatória e ocupava o tempo a conversar trivialidades com os muitos amigos e lia, lia muito.
Entre o levantar do pé direito e colocá-lo novamente ao chão em seu caminhar sentiu-se estranho. Em principio recordou-se quem era; em seguida para onde ia. Continuou a deambular pensativo:
- Quanto tempo me ausentei de mim mesmo?
- Aonde fui? E começou a organizar as lembranças.
- Vi um sorriso qualquer, ou foi um olhar? Quem foi aquela mulher que me tocou?
- Sim, viajei! Como viajar se estou sóbrio e não uso drogas:
- Era um mundo sem objetos, ah sim!  Outro mundo, um portal. Quanto tempo lá fiquei? Algumas frações de segundo ou a eternidade dos anos?
Pensando bem, deixe-me raciocinar:
Não havia corpo, estive no vazio que os Orientais sempre buscam. Pode ser que já estive outras vezes e não percebi: pouco nos importamos com nosso sentir e não sentir: prestamos pouca atenção em nos mesmos. 
Habitei o local sem matéria. Não havia som, pois este lembra vida, que mais é a vida que o som das partículas elétricas de um espermatozóide e um óvulo se encontrando, um choque harmônico ou uma explosão do encontro. A vida é a explosão dos corpos que se beijam e fundem, antes nem vida há. Apenas o vazio.
O vazio não tem lembranças, estas pertencem aos sonhos; que mais é o sonho do que cacos do passado ajuntados em fantasias.
Viver é pegar pequenas pedras para fazer o caminho que será percorrido, unindo os cacos que nos mesmo desprezamos e ordená-las à frente num mosaico de recordações onde damos nossos passos, sempre procurando pedras conhecidas e a seguir descartando para pega-las novamente, num frenético refazer o mesmo.
 Viver é apenas um caminhar de recordações repetidas em outros desenhos. Não se segue caminhos desconhecidos. A estrada que ignoramos é sempre nebulosa e apavorante, preferimos juntar pedaços e caminhar sobre eles.
O vazio é sem matéria, anterior ao viver. Lá não existe som, recordações; não há o bem ou o mal, o bonito ou o feio, o grito ou o canto, tudo pertence à matéria. Não há contrários sem matéria.
Certamente é estático, sem movimento, não é agradável nem apavorante, apenas uma dimensão desconhecida. Se a vida se inicia em movimento: é lá que ela começa; na falta. Quando o corpo se desloca ele vive, viver é cantar e gemer, ter o riso farto e o choro profuso, ter alegria do encontro e o desespero da despedida. É oscilar entre a vida e a morte. O vazio é não vida; é ultrapassar a morte se dimensionando em outra referencia. Lá alem da vida e da morte mora a existência.
Somos apenas artefatos, pequenos brotamentos do lodo neste perverso sistema de nascer neste planeta mineral que ampara nossos movimentos. A vida é o convívio com a morte; nasce e se alimenta dela e a ela retorna. A natureza é o circulo de morte no lodo que reveste o planeta; somos apenas míseros espectros animados que dançamos e choramos, rimos e cantamos julgando amar.
A poesia e a musica é a animação que tentando quebrar o ritmo do nascer e se fazer movimento; buscamos voltar à calma e o repouso da origem, desfazer o ego e ser vida, este desafio quase impenetrável que não enxergamos.
Quando, na deambulação da estrada de azulejos reaproveitados conseguimos percorrer a trilha inversa, não a reconhecemos, pois se buscamos a paz lembramo-nos da guerra, se pensamos em amor, lembramo-nos do ódio. Lá na dimensão de origem não há matéria é apenas o vazio do nada.
Lembrou a senha do cartão e entrou no banco, calmo com sempre.

Tony-poeta
15/11/13




 


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