quinta-feira, 3 de abril de 2014

DITADURA - 50 ANOS-

DITADURA - 50 ANOS


Até o momento não foram julgados os crimes da ditadura. Por serem crimes hediondos o julgamento é obrigatório; todos os envolvidos, incluindo aos que deram apoio para que eles acontecessem tem que ser condenados, mesmo os já falecidos. A sociedade consiste em um contrato entre seus habitantes e não pode haver dúvidas ou clausulas mal resolvida, uma vez que contratos fracos ou incompletos tendem a ser repetidos. É o que vimos numa tentativa de reedição da passeata que gerou o golpe de estado, com plena cobertura da mesma imprensa, a mesma que participou do atentado a democracia que agora comemora meio século.
Na época do evento eu tinha dezenove anos, morava no Jardim Paulista, bairro de classe média alta, onde moravam meus amigos. Trabalhava de dia em cima de uma máquina de escrever fazendo correspondência de vendas; estudava química industrial no período da noite, já fazia meus poemas e no fim de semana jogava futebol no time de várzea Bandeirantes do Jardim Paulista e, toma cerveja quando dava. Nada anormal para a idade. Possuía pensamento de esquerda sem nenhum embasamento teórico, apenas não concordava com a injustiça social e não muito mais que isto. Minha família, principalmente meu pai, tinha um pensamento mais a direita, compatível com a posição social, porém do mesmo modo preocupado com a pobreza, que era grande.
No enfrentamento da Av. da Liberdade estava na Av. Angélica, no Colégio Oswaldo Cruz, quando nos foi passada a informação de que devíamos nos concentrar na Pça. Buenos Aires, perto do Colégio. Havia uma concordância generalizada de repúdio ao Regime imposto, sem nenhuma conotação partidária, já que os partidos eram inexistentes. Dirigimos-nos ao local indicado. Ao meu lado havia um estudante de origem Espanhola e com sotaque típico, cujo nome me escapa.
Estávamos a caminho quando chegou o Exercito. Desceram de fuzil e vieram para o grupo, que realmente era numeroso. Preocupado com o amigo estrangeiro, que se identificado provavelmente seria preso, coloquei-me fisicamente como intermediário ao colega e senti um fuzil em minha testa, chegou a encostar. Mantive a calma, com dificuldade, consegui entender a ordem para dispersar, o que diante do poderio de armas estava sendo feito sem comando. O deslocamento foi estratégico para dividir os militares, o que não sabíamos.
Ano seguinte prestei vestibular e entrei em Marília no curso de Medicina. Era a segunda turma, na primeira turma estava o Mauro Osti, junto fizemos o Jornal o Neurônio, que saiu apenas dois números [não tenho nenhum exemplar] onde coloquei uma crônica O Ratinho, na qual ironizava o DOPS [encontra-se em meu blog] e criamos um serviço de assistência aos colegas estudantes, O DACA, com Xerox e apoio dentro do possível, uma vez que a faculdade longe de Capital e paga [atualmente foi estadualizada] deixava em desamparo alguns colegas com dificuldade de manutenção.
Nesta época começou o primeiro fato estranho, toda vez que ia a São Paulo, no apartamento de meus pais, portanto minha residência, o zelador caia das nuvens, para que se preenchesse um formulário de deslocamento, a mando do exercito. Este controle durou anos.
Ano seguinte fomos eleitos, eu e o Mauro para o Diretório, ele presidente e eu vice. Criamos o DACA social, onde o objetivo era reunir todos acadêmicos da cidade, que já era de perfil Universitário; com um bar e restaurante, biblioteca, teatro e atividades culturais. O empreendimento teve grande êxito a ponto dos professores da filosofia freqüentar, com longos bate papos ao entardecer. O Decio Pignatari tinha uma mesa cativa onde tomávamos uísque uma vez por semana, entre outros.
Rapidamente arrumaram um impedimento para o Mauro, por motivo fútil ele foi destituído e eu assumi. Foi dada continuidade ao projeto. No final do ano fui reprovado em matéria de semestre. A reprovação impedia que se candidatasse a qualquer cargo, conforme o regimento. Pedi revisão de provas e foi alegado que as mesmas foram jogadas no lixo. Isto pelos professores.
Procurei advogados na cidade. Todos alegaram que não iriam pegar causas contra a fundação Mantenedora. Nada conseguindo a política Universitária tanto minha, como do Mauro terminou por aí. O centro social acabou em dois anos e o trabalho foi perdido.
Interessante notar: que não tínhamos na época nenhuma ligação com qualquer movimento e, eu pessoalmente, apesar de ler muito, nunca tinha lido Marx ou seus seguidores, inclusive por falta de acesso e também por falta de preparo, o Capital é um livro difícil, provavelmente eu não o entenderia.
Estou dando este depoimento para mostrar que o controle da Vida pessoal e da liberdade individual foi restrito em alto grau, mesmo não sendo submetido a constrangimentos piores, como vemos nas barbáries da Comissão da verdade, onde até crianças foram torturados, além de estupros e assassinatos.
Vim a conhecer a Teoria de Mais Valia e entender a diferença entre capitalismo e comunismo bem depois, já com opinião bem dirigida para a esquerda.
A ditadura não tem justificativa em hipótese alguma e os admiradores da mesma ou a desconhecem ou tem algum desvio social patológico.

Tony-poeta





Nenhum comentário:

Postar um comentário