O
ANDARILHO VELHO.
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Lajeado RS |
No banco
do jardim, na praça da Igreja da Matriz, estava sentado um andarilho. Era um
senhor de mais de setenta anos, com cabelos e barbas brancas, sem sinais de
nenhum trato há muito tempo. Vestido em andrajos, como todos que por lá
apareceram.
A cidade
de Ipê, uma pacata cidade de interior era com frequência visitada por estes
caminhantes, já que ficava em uma região de entroncamento rodoviário e, aqueles
que caminham a esmo sem preocupações com a vida por lá aportam, descansavam,
antes de seguir seu rumo ignorado.
A idade
aparente, um aspecto sadio e uma feição tranquila daquele senhor chamava
atenção de quem por lá passava.
O banco
que o viandante ocupara era estratégico, dele podia se perceber todo o
movimento do comercio, agitado acima do normal por ser época natalina. Nesta
ocasião os habitantes da cidade e da zona rural fervilhavam as calçadas fazendo
suas compras de final de ano.
O dono do
restaurante em frente, seu Juventino ofereceu um prato de comida, a que o
viajante aceitou e falou chamar-se João.
Disse
estar só de passagem. Foi muito educado e se saiu discretamente das perguntas
de sua vida pessoal sem agredir.
O que
mais chamou a atenção do comerciante, além do modo de falar, foi o jeito fino
com que se alimentou, parecendo ser uma pessoa de origem abastada.
Alguns
rapazes próximo deste senhor, lá pelas quatro horas da tarde, conversavam.
Augusto, portador de forte asma e rinite estava incomodado com forte falta de
ar e os espirros. O andarilho assistia. Após meia hora, este senhor pegou um
papel, uma caneta que portava, para espanto dos jovens que olhavam, escreveu
alguma coisa. Dirigiu-se ao asmático.
- Se o
senhor não se importar, tome este remédio. Vem do Sul e vai te ajudar. E voltou
para onde estava acomodado.
Curiosos
os rapazes foram a farmácia do Sr. Otávio. Mostraram o papel receita e, o
farmacêutico falou:
- Sim! É
um antialérgico de um laboratório Gaúcho. Nenhum dos médicos daqui jamais
receitou, acho que tenho uma caixa, vou olhar.
Pouco
depois voltou:
- Aqui
está, vence este mês. Se quiser experimentar pode levar, que vou jogar fora,
mesmo. Não vai custar nada.
Os jovens
agradeceram e, mesmo desconfiado Augusto tomou. Dali uma hora estava bem
melhor. A tosse diminuíra e o nariz parou de escorrer. Comentaram entre si o
ocorrido e concluíram que o mesmo poderia ser um médico desiludido andando pelo
mundo. Rapidamente a hipótese se espalhou.
No final da
tarde o andarilho era o comentário geral da cidade. Bateram algumas fotos do
mesmo com o celular, sem chamar atenção do cidadão; Rita tentou conversar com o
senhor e conseguir mais informações, já que era Assistente Social, sem sucesso.
Educadamente e de modo fino apenas falava que chamava João, estava descansando
e nenhuma informação adicional.
Procuraram
Dr. Jair, o delegado; este explicou que o local era público e o cidadão estava
se comportando como gente fina, mesmo assim ia pensar em como tirar as
informações, já que estava também intrigado.
Lorena, a
secretária do Dr. Nelson, relatou ao mesmo o ocorrido, no final do expediente e
este ficou muito preocupado:
- Um
colega em tal situação, vou conversar com os outros, se for médico temos que
tomar uma atitude e socorrê-lo! Exclamou.
Naquela
mesma noite, na Associação Comercial seria realizada a reunião para complemento
dos detalhes do “Natal das Crianças Pobres”. Um evento do município, com poucos
acertos a serem feitos, já que era igual todos os anos, os pontos de distribuição
eram conhecidos e o número de crianças pouco variava.
Juntamente
com a distribuição dos presentes ofertados pelos comerciantes, três barbeiros
cuidavam do visual dos garotos e os médicos orientavam sobre saúde, caso
houvesse necessidade, os políticos marcavam sua presença. Enfim, repetição de
todos os anos.
A
Associação estava cheia nesta noite, muito mais do que de costume. A reunião do
Natal foi rápida e nem as objeções que o comerciante Altair costumava fazer,
sempre demoradas e detalhistas foram colocadas. Desta vez ele ficou quieto. A
pauta correu em poucos minutos.
A seguir
Francisco, o Grão Mestre maçom pediu a palavra:
- Como
todos sabem, tem um senhor de aspecto fino, na Praça da Matriz. Temos que
sondar se precisa de ajuda.
O Padre
Antonio completou:
- Ofereci
para o mesmo se acomodar na Igreja, mas este declinou, de maneira muito
delicada, alegando que o coreto e bem ventilado e lá se sente mais à vontade e
está só descansando.
Dona
Clotilde, secretária do prefeito sugeriu:
- Vamos
ver se tem alguém procurando este senhor. Imediatamente Dr. Nelson falou:
- Pode
ser que seja da área da saúde, até receitou, sendo prontamente interrompido
pelo Sr. Otávio:
- E deu
certo pelo que me consta.
- Qual o
nome do remédio que ele passou? Perguntou o médico.
- Depois
falo pra o Doutor, falou o farmacêutico com um sorriso irônico nos lábios.
Dona
Clotilde continuou. Vamos colocar a foto deste senhor para rodar.
- Como?
Indagou o Prefeito.
- Faço uma
mensagem explicando a situação do mesmo, anexo as fotos. Dá para baixar no
computador. Mando as mensagens para as associações e jornais, vamos ver se
alguém o está procurando.
Assim foi
feito, fizeram em conjunto uma mensagem bem explicita, anexaram as fotos e
enviaram por e-mail aos Sindicatos de Médicos, Enfermeiros, Engenheiros,
Advogados e assim por diante.
O Padre
falou:
- Antes
de encerrar a reunião, já que passava das onze horas. Alguém tem que tentar
conversar com esta criatura. Eu não consegui nenhum dado.
Pode ser
o Dr. Silva, sugeriu alguém.
- Sim,
falou Da. Clotilde, ele que cuida dos birutas da cidade, tem jeito para este
tipo de conversa.
- Nunca
atendi na praça, falou o psiquiatra; mas, em se tratando de uma pessoa
necessitada, vou tentar ver o que consigo.
Ficou
ainda certado que o cabelo e a barba seriam tratados, que dariam roupa e
calçado novo. Marcaram para as nove horas a entrevista do psiquiatra com o
andarilho.
Nove
horas em ponto, saíram da Associação Comercial, se dirigiram a Praça Matriz e
lá descobriram que o Seu João, partira de madrugada e nunca mais ninguém teve
notícias do mesmo. Afinal estava só descansando.
19/12/14
Tony-poeta.