terça-feira, 6 de março de 2012

CHECKUP


                            CHECKUP







Uma das coisas mais duvidosas da medicina é afirmar que: Fulano de tal tem tanto tempo de vida. Geralmente o médico erra. Não por incompetência, mas pelos dados da ciência não computarem os dados filosóficos da vida.

Por maiores convicções filosófico-religiosas que tenha o profissional, não consegue ter a mínima idéia do que irá acontecer no momento seguinte. Em trinta e oito anos de medicina vi pacientes morrerem por um “inocente” furúnculo, e outros viverem anos com um tumor considerado gravíssimo.

Em meados dos anos oitenta, com o considerável avanço diagnóstico quase todos Grandes Hospitais começaram a propagar o CHECKUP como preservação da vida. Os exames laboratoriais tinham aumentado em muito a precisão. O conhecimento bioquímico havia dado um grande salto, a tomografia começava a engatinhar, bem como o ultrasom; com melhorias realmente importantes no conhecimento do funcionamento global do organismo.

Na época Dr. Oscar Pereira, urologista estava com um doente internado. Sem o glamour dos grandes Hospitais, era um doente do Rural internado no prédio original da Santa Casa de Marília. O Hospital pioneiro dos primórdios da cidade cedeu lugar, com o progresso da região a outro mais moderno e adequado as exigências. Por motivos sentimentais foi conservado. Na época servia de enfermaria. Era um prédio acanhado. Para a época de construção deve ter sido dos melhores, com um saguão central  fazia a distribuição para três quartos mais amplos e, um postinho de enfermagem, logo à entrada.

Este senhor; chamarei de José, portava uma hiperplasia prostática, que o impedia de urinar. Tinha perto de sessenta anos, mas parecia muito mais velho pelos percalços da vida rural. Como estava debilitado o médico solicitou o clinico, eu no caso, para prepará-lo para cirurgia, demorada e debilitante. Poderia agravar o quadro do paciente e colocá-lo em risco de morte.

Doente examinado; pedi todos os exames necessários: Eletrocardiograma, Raios-X, exames laboratoriais, ou seja, o recomendado para nos dar segurança.

Na mesma semana um senhor, que chamarei Outro José foi a São Paulo, sem nenhuma queixa para internar e ficar por dois dias fazendo exames. Foi a um grande Hospital com tudo de mais moderno, inclusive o que ainda não havia chegado ao Interior.

Pronto os exames do Sr. José, passei a visita rotineira, visitei Sr. José, estava bem e, após uma hora encontrei Dr. Oscar na sala dos médicos. Fui dar-lhe a boa noticia:

-Oscar, pode operar o paciente, todos os exames estão absolutamente normais.

- Ele acabou de falecer, ele retrucou.

- Como?

- Estava dormindo, morreu.

-Com os exames normais?

- Sim.

O Outro José em São Paulo não teve melhor sorte. Com os exames normais, na pasta que o hospital lhe forneceu, teve um mal-súbito no elevador, dentro do hospital e morreu na hora.

Esta infeliz coincidência pode ser aproveitada para uma revisão de conceitos. Na ânsia de novas tecnologias e descobertas, plenamente válidas, acabamos por abandonar práticas já sedimentadas, com a errônea idéia de serem obsoletas.

Heidegger, um filósofo da metade do século passado, deu grande ênfase em seu pensar na questão CUIDADO. Dizia ele, em outras palavras, que nossa responsabilidade no mundo é o cuidado. CUIDADO DE SI. Oras se somos responsáveis por nós mesmos, e realmente o somos, qual a função da Medicina como um todo?

Vamos considerar a sociedade um tecido. É sociologicamente chamado Tecido Social. No nosso existir nos relacionamos com a família, amigos, muitas vezes com importância maior que a própria família e com nossa comunidade. Ao mesmo tempo interagimos com o ambiente que nos rodeia, local, natureza, alimentos e vetores de doenças, predadores, vírus, bactérias úteis e patogênicas e assim por diante. Nosso cuidado pessoal consiste em viver o melhor adaptado possível nesta trama ampla. O filme Avatar, faz uma bonita metáfora neste sentido. Quando este relacionamento falha surge à doença; ou seja, um fator agressor, tanto uma bactéria como uma fator climático provoca a patologia.

É aceito em Psicossomática que sem a participação do próprio individuo a enfermidade não se instala. Adoecer é um estado de desequilíbrio. Obviamente existem outros fatores, incluindo o genético, senão seriamos eternos.

O dito popular bem antigo falava: “Morreu como passarinho”, ou seja, de tristeza. Homens e animais realmente morrem assim, pois abandonam seu cuidar de si. A função da saúde é Cuidar e não curar. A cura é conseqüência. O profissional de saúde a Equipe médica de nosso tempo, não pode diferir do Xamã, Benzedor, Feiticeiro e todos que passaram pela história; cuidavam. A medicação, com efeito real no organismo, química como é hoje, tem que ter a magia das ervas, chás, garrafadas e infusões e mesmo fumaça e rituais mágicos

Como em outras civilizações, o fato do doente se sentir assistido, amparado, enfim cuidado, é que vão propiciar as forças para ele mesmo cuidar de si e se curar. Independente da potência orgânica de um remédio. O objetivo sempre foi o mesmo. É isto que faz a humanidade ter a população atual, mesmo com guerras de extermínios e epidemias.

Quando se fala que “o médico é um sacerdote”, não se está referindo ao fato de ter cinco empregos como acontece atualmente, já que a comparação é mais antiga. A sentença se refere que ele, como sacerdote, tenta refazer a harmonia entre o ser e todo seu meio. Esta é a função holística de um sacerdote de qualquer cultura e pensamento. Ou seja: Dar meios para o enfermo Cuidar de Si.

Os dois José, um que foi fazer os exames provavelmente por acreditar que suas posses davam salvo conduto a viver bem, independente do cuidar de si e, só foi ao Hospital por exigência da família, e o outro, pela vida sofrida, sem urinar, solitário numa enfermaria não sentiram ou não aceitaram o apoio da saúde como um todo e desertaram. Morreram como passarinho.

A propaganda de Checkup nunca mais foi veiculada pelos grandes hospitais.





06/03/12

tony-poeta pensamentos










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