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A DOENÇA E SUA CURA
Desorientado o ser procura uma razão. Talvez alguma coisa
tenha falhado? Cambaleia debilitado, a dor é interna e externa; seus sentidos
estão nublados por densa cerração, caminha a esmo, parece voltar aos primeiros
instantes de sua vida. A dor de inicio da vida se mescla com a dor da
instabilidade atual que pode ser o fim. A situação é drástica, urgente, a vida
tem que se restabelecer.
Nada mais doloroso que o Vir ao Mundo. O ser no mundo vitima
de uma expulsão, como um objeto indesejável que ejetado abandona seu útero seguro
que lhe abrigava protegido. Ei-lo no desconhecido. A temperatura esfriou, sente
frio. Há luz onde era escuridão e mesmo com sua visão incipiente, machuca. Os
ruídos antes abafados em sua morada tornam-se exagerados. Há ruídos, luz por
todo lado, o ser encontra com o corpo: tem que descobri-lo e controla-lo. Tudo
é estranho, tudo apavora. Há medo, muito medo. Chora!
Um objeto pega o pequeno ser, também objeto e o banha em
agua morna. Acalma; já sente o ambiente ficar menos turvo, finos panos o agasalham,
a temperatura fica amena: sente-se cuidado.
Ancora num corpo que não lhe parece estranho, leva a boca a
uma pele macia e um líquido, na temperatura que viveu por nove meses jorra
familiar, suga a principio tímido e descoordenado, ouve uma voz macia, um tanto
familiar, parece que já tinha escutado este diapasão, fecha os olhos e adormece
no corpo estranho-conhecido em seu objeto a descobrir.
Esta volta às origens na doença é apavorante, nem sempre há alguém
para aliviar a angústia e acalmar o choro; o ser separou-se de seu objeto,
perdeu o contato, o objeto corpo não mais responde as demandas do ser. Há a dor
desconhecida da expulsão agressiva do primeiro momento. O choro não mais
encontra o alento da mão que firme acolhe, banha as feridas e o agasalha com
panos aquecidos e cheirosos. A cama não tem a maciez de corpo que o acolheu e o
leite tão farto não mais jorra. Grita, chora e o mundo parece surdo, nada o acalma.
O paciente, apenas o ser afastado do objeto, procura este
contato que é a saúde. Saúde é a vontade do ser, que manejando o objeto corpo,
traça um destino; independente de bom ou ruim. O que importa é ter um destino e
este corpo caminhar com os acertos e erros comandado pela desconhecida força
chamada vida.
O gemido externo ou interno, este som gutural que chama atenção,
tenta repetir o choro do primeiro dia: o corpo tenta a fala, ora uma fala
masoquista tentando contar as dores do desencontro com o comando vida; ora uma
fala sádica e agressiva tentando despertar o seu redor pela sua necessidade que
põe em risco sua continuidade; talvez geneticamente lembre-se da família reunida
e da comunidade rezando o terço, o padre trazendo agua benta ou o xamã fazendo
fumaça; até a velha benzedeira com um raminho de arruda passando por suas
orelhas e pronunciando palavras mágicas que o ser da vida consegue entender e
retornar ao comando. Ou então xingando e suplicando para todo pessoal paramentado,
cheio de estranhos aparelhos, tão mágicos como a fumaça de seu curandeiro, para
que soltem a palavra que conecta o corpo com o ser. Pede a este pessoal, que
como amigo limpe o chão onde irá pisar das impurezas que possam quando ainda trôpego
cair novamente; da camareira-enfermeira que acomode este corpo nos brancos lençóis
quentes e acolhedores e o médico que injete uma solução conectiva que
restabeleça o contato perdido. O show sadomasoquista é apenas o apelo de um
corpo que perdeu o contato com o ser e tenta como no nascimento restabelecer
este encontro que é a base do viver.
Curar é entender a linguagem. Não é o aspirador nasal de mecônio
que dá o choro; o que dá a vida é este choro que irá acontecer espontaneamente
ou com uma palmada. Entender que a vida é luta que começa com a dor e segue com
deleite do seio. Este encontro se perdeu
com a moléstia. A doença é um hiato ser-corpo que pode ser definitivo se não
for acudido, é uma letra muda da existência.
Quem cura não é o maquinário,
a fumaça ou a arruda aspergida em água, mas sim esta manifestação holística onde
os cuidadores falam com o corpo e seu ser e restauram a harmonia chamada viver.
Tony-poeta
13/07/2013
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