quarta-feira, 28 de maio de 2025

Crônica de Francisco Costa. O RETIRANTE.

 O RETIRANTE


 Francisco Costapublicou emGomes Antonio Carlos

há 13 minutos
EM PARALELO COM UMA CRÔNICA DE TONY POETA
(ao Gomes Antônio Carlos, o Tony)
Chegando de viagem, nas proximidades da rodoviária Novo Rio, deparei-me com cena insólita, motivo de piedade e indignação para uns poucos, de humor para uns poucos mais e indiferença, para quase todos.
Na beira da calçada, um homem com a família, recém chegados do nordeste, possivelmente de região bem interiorana.
Barbudo, com chapéu de palha, blusão de madras amarfanhado, uma grande mala de couro no chão, ao lado, mais a esposa, baixinha, barriguda, em olhar de desespero, e seis crianças, entre dois ou três anos, a caçula, e quase adolescente, a mais velha, todas com embrulhos nas mãos.
Sentado no banco, esperando o ônibus, acompanhei a cena: gestos nervosos,
como se numa trincheira, ficou observando o sinal, as pessoas atravessando, como se calculasse, para ver se dava tempo da família dele também atravessar.
Armou-se de coragem e, fechado o sinal, pegou a filha mais velha pela mão e atravessou, quase correndo, talvez com medo de não dar tempo.
Do outro lado da calçada, sem soltar a mão da filha, ficou olhando para a família, como se distante léguas, perdida, com medo de deixar a filha só, no outro lado da calçada.
Levantei-me a fui até ele:
- Deixe a menina comigo e vá buscar o resto da sua família. Traga todos juntos que dá tempo.
E o que vi jamais esquecerei, o olhar de um pai impotente diante de um monstro, um seviciador da cidade grande, o próprio satanás:
- Vai-te que eu dou conta, carece não!
Talvez para livrar-se do suposto perigo, cochichou alguma coisa com a menina, largou-a e foi pegar o segundo filho, depois o terceiro... Até atravessar a esposa, a mais assustada.
Com as crianças menores rindo da aventura, a senhora gesticulando muito, ele com ar vitorioso de primeiro obstáculo da cidade grande ultrapassado, foram-se.
Fiquei pensando no psicológico daquela família diante de tantos veículos, de tanta gente, de tanto barulho, tentando entendê-los.
Que sociedade é essa, meu Deus, onde quilômetros separam séculos?
Francisco Costa
Rio, 28/05/2013.

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