A PATROA E A EMPREGADA
Fui ao
banheiro dos pacientes quando cheguei ao Centro de Saúde para atender o S.U.S..
Não há banheiros exclusivos para médicos, aliás, um fato comum nos serviços de
saúde e, o reservado a funcionários: é fechado, com a chave escondida em alguma
gaveta, coisa meio complicada.
Cida no
outro dia comentava:
- Este
doutor é dos nossos, não tem frescuras.
Depois
entendi que era devido ao uso do banheiro dos pacientes. Pensando bem, estava
invadindo o território de outra classe social. Fiquei curioso, um homem usar um
banheiro masculino, para urinar de pé não apresenta nenhuma invasão social e
não tem jeito nenhum de se contaminar com o vírus da pobreza. Estava diante de
um exemplo de divisão das camadas sociais pelo simples uso de um sanitário.
Realmente,
cada vez mais tenho dificuldade de classificar a categoria social de meus
pacientes pela aparência, mesmo atendendo pessoas de baixa renda. O que era um
referencial tranquilo onde pela roupa, modo de andar, fala e apresentação em
geral, proporcionando uma visão aproximada da camada social do paciente se
diluiu, há hoje uma padronização, os modelos de roupa são semelhantes, os
celulares que todos portam atualmente são iguais, a fala esta homogeneizada e
mesmo em migrantes o sotaque não é destacado, aliás, praticamente não existe e
na conversação da consulta o português melhorou muito e não se percebe mais
erros gritantes. A diferenciação passou a ser sutil; quase imperceptível.
A
comunicação via internet, televisão e outros meios, o acesso ao facebook e
outras mídias sociais, fez com que o “bom gosto” que antes era restrito da
classe média para cima se uniformizasse em todas as classes; acrescidos na
facilidade de crédito e programas de distribuição de rendas do Governo Federal,
facilitando a aquisição de novos objetos e interesse em se informar o modo
correto de uso.
Esta
melhoria social das classes menos favorecidas não quer dizer mobilidade social,
uma vez que continuam morando em zonas de risco ou moradias humildes, continuam
com trabalhos menos valorizados; sendo no litoral a minha observação, os
trabalhos são diaristas, domésticas e “atendentes” em barracas de praia em
finais de semanas ou temporadas, sem emprego fixo em sua grande maioria, mas
conseguindo na soma de ganhos da família ter acesso aos bens de consumo tão
propalados pela mídia.
A
significante melhoria de condição de vida não significa uma mobilidade social,
apenas um pouco mais de conforto. Uma parte que conseguiu melhores empregos ou
pequenos comércios autônomos começou a pagar Imposto de Renda. O referido
imposto, desde tempos imemoriais é o meio de controle da população. Esta inclusão
de uma classe, antes completamente marginalizada alterou as estatísticas sugerindo
que a classe burguesa tinha agora de compartilhar com uma classe inferior. Era
a “My Fair Lady” se comportando corretamente tanto em fala como em vestimenta e,
pagando impostos. Esta mendiga vendedora de flores, tão comum nas turbas
europeias de desalojados começou a adquirir “status” social.
Toda
sociedade de mamíferos se divide em camadas, onde os das camadas inferiores
reconhecem os de cima [senhor], mas não são reconhecidos por este. Na sociedade
humana não é diferente. A estratificação não mudou; cada camada continua em seu
lugar o que mudou é a percepção de quem pertence a cada uma delas, é aí a
confusão estabelecida. Como a fala e a
vestimenta já não são critérios confiáveis para diferenciação, esta se faz em
pequenos detalhes, como o uso do banheiro.
Esta má
percepção de classes provoca revolta na Classe Média, dirigida em quem fez a
mudança, com ataques cada vez mais agressivos e desejo de substitui-lo por um príncipe
todo poderoso, que por força de uma lei rígida refaça a ordem anterior. Esta
desorganização aparente provoca um desarranjo transitório que só o tempo pode
acomodar. Na verdade a burguesia da Revolução Francesa está enfraquecida diante
do proletariado e com dificuldade em manobra-lo como o fez anteriormente. A
Patroa se veste como a empregada.
Tony-poeta
22/06/13
Tony-poeta
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