AS MEIAS DO PROFESSOR
Clodoaldo
fazia o maior esforço para colocar suas meias, ao dobrar o tronco sobre o
abdome o ar faltava, ficava ofegante. Todo dia, desde que Mirtes sua esposa,
faleceu em acidente era este sacrifício; antes ela cuidadosa e carinhosamente
as calçava para ele. Há um ano era por sua conta.
Estava
ele no exercício matinal de colocar seus sapatos quando ouviu:
- Quer
que te ajude professor? Era Gerusa, trabalhava com o casal e após a morte da
esposa continuou. Acomodado nunca percebeu a moça.
- Quero
sim! Obrigado! Notou que era jovem, de estatura um tanto superior a sua.
-
Obrigado Gerusa, a seguir foi à escola.
Dia
seguinte à situação se repetiu com a ajuda da moça, observou que era bonita
apesar de maltratada, dócil e solicita:
- Você
mora por perto?
- Sim,
há quatro quadras, na COAB.
-
Engraçado, você está aqui há tanto tempo e nunca perguntei nada. Você é de
onde?
- Sou
do Maranhão, vim ajudar minha mãe a cuidar de meu pai doente que já estavam
aqui.
- É só
você e seus pais?
- Não,
tenho dois irmãos aqui, desempregados.
- Bem,
um apartamento de dois quartos dá para ajeitar...
- Têm
mais minha cunhada e os dois filhos, casada com meu irmão mais velho, falou
Gerusa.
- Fica
apertado... Falou o professor
- Fazer
o quê? Ficou desempregado. Todos vieram morar com a gente, no fim se ajeita.
Com o
sapato e meia colocados Clodoaldo saiu para trabalhar, pensativo:
- Dois
anos esta moça vive com a gente e nunca falei com ela a não ser no dia do
pagamento. Mirtes falava que era boa gente. Nunca prestei atenção, mas vejo que
é verdade, além de atenciosa é honesta. Imagine: Os pais doentes, cinco
desempregados todos em dois quartos. Só ela trabalha. Acho que os pais devem
receber alguma coisa do INSS, afinal tem um apartamento. Mesmo assim, é uma
pessoa de caráter.
A
conversa continuou diariamente, a rotina passou a ser, tomava o desjejum,
papeava com a moça enquanto ela calçava seus sapatos e ia para o trabalho;
ficou sabendo que era solteira, tinha um relacionamento com um vizinho que não
deu certo, não perguntou o motivo. Tinha estudado o básico antes de vir a São
Paulo. Neste conta e não conta acabou numa terça feira indo para cama em vez de
para escola.
Daí
para trazer Gerusa para dentro de casa foi muito rápido. Em dois meses estava a
moça como esposa de papel passado e tudo.
A moça
mudou da água para o vinho. Comprou roupas e apetrechos, foi ao cabelereiro,
fez limpeza de pele, tratou os dentes. Era outra pessoa e muito bonita. O que
ganhava passou a dar aos pais, já que o professor ajudava. Tinha ele além do
salario a pensão da viúva e uma boa poupança, sempre foi muito econômico.
Tudo
estava muito ajeitado e tranquilo, Seu Zeca o pai de Gerusa estava se tratando,
tinha a mesma idade do professor, cinquenta e cinco anos, os cunhados
continuavam a procurar emprego sem muito empenho. Tudo organizado.
Aos
sábados saia lá pelas onze para bebericar no boteco da esquina enquanto Gerusa
preparava o almoço. Pelas duas horas ela
descia, tomava uma ou duas cervejas no grupo e iam almoçar. A rotina estava
montada até que Tião Folgado, matreiro e venenoso falou:
-
Professor você está muito gordo, vai perder a mulher para o Severino, o antigo
namorado.
Aquela
tarde Clodoaldo não conseguiu nem fazer a soneca depois do almoço, tinha
realmente engordado mais três quilos;
-
Afinal Gerusa me trata tão bem, vive fazendo o que gosto, só falta dar a comida
na boca. Mas estou gordo mesmo, mais do que sempre fui. Engraçado ela fica
alisando minha barriga com tanto amor, mas acho que aquela porcaria do Tião tem
razão.
Na
segunda feira trabalhou no horário das aulas até achar uma solução. Como tinha
aulas vagas conseguiu deixar três dias com a primeira aula livre. Já poderia
fazer academia.
Passo
seguinte foi ir ao médico, coisa que não fazia há cinco anos; fez todos os
exames, eletrocardiograma e tudo que tinha direito. O resultado foi assustador,
o colesterol estava alto, a pressão tendendo a alterar, o médico recomendou
exercícios imediatamente. Procurou uma academia, como já tinha programado.
Na
academia entre a casa e a escola havia o horário que ele dispunha. Quem o
orientaria era a Morgana, uma gaúcha com o corpo altamente definido, apaixonada
por fisicultura. Foi logo falando que teria muito trabalho para corrigir todos
os defeitos. Saiu preocupado.
Em casa
procurou na Net o significado de Morgana, era da mitologia inglesa, deusa ou
bruxa dos pântanos. Espero que esta gaúcha seja deusa, pensou consigo mesmo.
A
rotina da casa mudou. A comida começou a ser uma lição de matemática na conta
das calorias; gorduras nem pensar, só carne branca, verduras e frutas. Gerusa
teve que aprender esta estranha forma de cozinhar. Não gostou nem da comida nem
das contas calóricas. A cerveja do sábado foi totalmente abolida. O professor
chegava cansado e ia dormir cedo. A moça começou até pensar que estava
deprimida, coisa que não sentiu com todos os problemas de família.
Morgana
continuou forçando os abdominais, as barras, os pesos, o professor progredia e
era elogiado.
Numa quinta
feira, perdendo hora Clodoaldo colocou as meias e os sapatos rapidamente sem
falta de ar. Gerusa naquele dia, após o professor sair chorou e foi visitar os
pais. Na noite estava quieta, nem conversou, mas Clodoaldo cansado não prestou
maior atenção.
Dia seguinte
colocou sozinho o calçado e foi trabalhar. Ao voltar tinha um bilhete:
NÃO DÁ
MAIS. NÃO QUERO NADA. VOLTO PARA CASA DOS MEUS PAIS. GERUSA.
Não teve
jeito, a moça não quis voltar.
No sábado
o professor se permitiu uma cerveja e se lamuriava com o Tião Folgado que dizia:
- Não
te falei!
- Ela está
com o Severino, este era o nome do antigo namorado.
Estava
mesmo, calçava as meias no mesmo antes de sair para o Culto e pensava:
- Meu
avô e meu pai são gordinhos e sempre calcei suas meias, detesto homens magros!
07/09/2013
Tony-poeta
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