JANGO 64. A VISÃO DE UM GRUPO NOS JARDINS.
“-Meu
pai recebeu um telefonema da casa dos Mesquita, hoje à meia noite Jango cai”.
Esta frase ficou em minha cabeça até hoje. Os interlocutores; já não recordo os
nomes, aliás, sempre fui ruim de memorização de nomes. Mas frases não esqueço.
Foi esta realmente.
Nesta noite
estávamos em São Paulo na Alameda Lorena com a Rua Pamplona. Era um ponto de
encontro de um time de futebol, o Bandeirantes do Jardim Paulista. Seus
jogadores era a vizinhança, um sobrinho de General, um filho de alto grau da
Maçonaria, um sobrinho de um ex Governador que periodicamente doava as camisas
do time, filhos de comerciantes, advogados e eu. O papo era sempre futebol e
pouco se discutia de política.
Esta noticia,
jogada por um destes elementos, foi apenas uma transmissão do que se falava em
sua casa, tanto que a conversa foi breve e voltou ao jogo a ser realizado. A
idade do grupo variava ao redor dos dezoito anos.
A orientação
politica era a mesma: Todos contra o Jango. O motivo era; desde que o mesmo era
comunista e a Rússia era um regime de opressão, onde sufocava as famílias e
invadia suas moradias, até motivos mais sutis e elaborados que era o que tinham
me passado em casa.
Meu pai,
de origem mais aristocrata tinha o PRP como base, a seguir passou a admirar o
Plinio Salgado, e era eleitor do Adhemar, que segundo ele não roubava, quem
roubava eram seus assessores, pois é muito difícil escolher gente honesta para
ajudar. A ideia que fazia do Jango era a seguinte, e a que me foi passada.
Para ele
Jango era uma pessoa sem personalidade, apesar de ter um excelente Ministério,
o País não andava direito, isto na visão dele, pela falta de pulso do
presidente. Isto demonstrava da seguinte forma:
- Veja
filho, falava ele. Vê que o Jango não olha nos olhos do interlocutor. Uma
pessoa que não encara o outro na conversa, não tem personalidade, ou está com
más intenções. Fazia isto mostrando os jornais. O olhar olho a olho tinha muito
valor na época.
Realmente,
os jornais não mostravam o Presidente de frente, as fotos ora o focavam olhando
para o chão, a maioria; ou para algum lado. Em casa eram comprados todos os jornais,
todos. Meu pai, como publicitário acompanhava por força da profissão, as
propagandas veiculadas. O jornal preferido foi o Correio Paulistano, que fechou
um ano antes em 1963. O Estado passou a ocupar o primeiro lugar na leitura. A
Folha do Frias e Caldeiras Seu Carlos não achava confiável; aliás as noticias
Internacionais, segundo ela chegavam para o jornal dos Mesquitas e de lá era distribuída
para os outros.
Realmente
não me lembro de nenhuma foto de frente de Jango em todo este tempo, o que
fazia reforçar a minha opinião e de todos os “atletas do Bandeirantes” que
também assinavam tal jornal, que o Presidente nada sabia. O comunismo e a
T.F.P. pouco nos importava, uma vez que o primeiro era desconhecido, apenas sabíamos
que “não respeitava a família” e o segundo com suas bandeiras era visto com
certa desconfiança. Ninguém foi na fatídica passeata “Com Deus Para a Liberdade”.
Boa parte acreditava mais no Espiritismo e a Igreja era apenas função social.
A frase
que anunciava o fim do mandato foi vista como normal e até com apoio, dado o nível
de informação e a classe social dos elementos.
A conscientização
veio a posterior: alguns começaram a se informar de política; vendo o absurdo,
já que o vice-presidente era eleito na época e tomando ciência que era um golpe
de estado. Outros continuaram seguindo a tradição da família e apoiando os
golpistas.
O grupo
que começou a repudiar o golpe engrossou a Esquerda Festiva, que se reunia
discutindo contra o regime imposto em bares, tomando cerveja.
A direita,
com a censura do Estadão [dizem que foi parcial], a queda do Adhemar em São
Paulo e perda de privilégios ficou órfã, apenas assistindo o desenrolar dos
fatos.
Os que
obtiveram Benefícios, foram poucos, continuaram fieis ao golpe.
Em tempo,
notei a agressão poucos dias depois, com um amigo filho de russos, não
convertido ao capitalismo, o Paulo, que fazia química Industrial na mesma
classe; informou-me por cima o que era comunismo e a falta de democracia do
golpe. Procurei livros e achei Josué de Castro, aliás, um dos poucos autores
permitidos pela ditadura, que foi meu livro de referencia por um bom tempo.
O time
de futebol durou mais um ou dois anos, no mesmo lugar, ganhando poucas taças,
os jogos sempre eram de taça no Bairro do Itaim, mas muitas vezes levando
lavadas.
A Marx
só tive acesso já no final da faculdade e considero um livro muito difícil, não
o conheço bem. Boa parte dos que foram contra nunca o leram, bem como Adam
Smith, que a direita também não conhece.
A imprensa
ajudou sim a montar o golpe.
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