PORTAL DO NOVO ANO
Findava à tarde,
chovera como sempre acontece nesta época do ano, o sol já ressurgira forte e
vigoroso trazendo suas despedidas do dia. Estava eu meio cabisbaixo, um vazio
penetrava meus pensamentos, que de sempre irrequietos haviam se acalmados e
praticamente não existiam naquele momento, quando uma coloração no ar fez-se
presente.
O ar tomou as cores
do tempo, a prata da umidade da chuva fundiu-se com o vermelho do astro rei.
Tudo parou, parei totalmente também, os elementos fundiram-se: eu e o visível ar
nos integramos. O ar continuou ar e eu continuei pessoa, mas nos pertencíamos. Uma
saudade triste e alegre se confundia. Uma estranha sensação de prazer e
tristeza associada; estava em outra dimensão e esta era de paz, mas trazia
comigo uma vibração longínqua de uma perda, mesmo assim, no total havia tranquilidade.
A sensação durou alguns minutos não cronometrados, as cores voltaram ao normal,
o ar não mais pode ser notado. Tudo passou.
Parecia um conto de
fadas, onde abruptamente abre-se um portal a uma dimensão irreal, levando a um
mundo novo, de novos elementos. O mundo real cor de prata e ouro parou e se transformou.
Os movimentos não mais se fazem necessários, uma vez que o espaço abrangia e
correspondia o todo.
Todo ano tenho, num
dia inesperado, sempre nesta época e nesta estação, a mesma sensação. A “visão”
se repete há anos. Não me lembro de nenhuma perda ou acontecimento real que
possa a ter induzido, jamais sonhei me integrar em cores com a natureza, o que
perdi?
Perdi sim, realmente
perdi muito, fui uma criança nascida no final de guerra. O País permaneceu em
racionamento até meus três anos de idade; faltava o básico, este quando aparecia
nas prateleiras era caro: uma vida difícil. Minha única irmã nasceu quando já
tinha oito anos, a vida familiar era um misto de religiosidade e discussão econômica.
A religiosidade
predominava nesta época de final de ano. Os festejos ficavam restritos ao casal
e o filho, eu no caso; meu pai vinha de uma família católica muito devota, Dona
Palmyra Lopes Gomes, minha avó, ao chegar ao Brasil construiu uma capela na
propriedade da família, em Araçariguama, ao Santo de devoção: buscava o Padre
aos domingos para rezar missa e, de meu nascimento fez promessa que eu também
seria padre como meu tio, que não conheci.
Já José da Costa
Navega, meu avô materno, quando chegou ao Brasil foi morar em Araraquara, conheceu
em Matão o Senhor Caibar Schuttel, pioneiro do Espiritismo no Brasil e sob sua
supervisão fundou o primeiro centro espirita em sua casa. A rua onde moravam
passou a se chamar Rua do Espirita [não sei se conservou o nome].
No Natal a
religiosidade se tornava intensa. O pequeno pinheirinho era decorado com
carinho. Eram colocadas bolas e as velas coloridas afixadas em um pregador
apropriado, comum na época. O que me chamava atenção era a bola prateada. Era
uma bola de vidro fino, como todas as existentes nestes tempos, onde uma metade
era afundada, ficando interna, sendo esta parte pintada de várias cores, com predominância
do vermelho.
Na passagem de ano,
todas as portas e janelas eram abertas para que o novo ano entrasse e trouxesse
a Paz merecida a todos os mortais do Planeta, a luz era apagada. O menino, ingênuo,
realmente era muito ingênuo, diante de tanta religiosidade autêntica, via nos
reflexos das velinhas estampados na bola prateada com sua depressão vermelha,
um portal de contos de fadas, que se formava neste caleidoscópio com seus reflexos
e suas inúmeras imagens de fantasia.
Fazia a poesia de um
mundo diferente, onde só a Paz era possível. Neste portal imaginário adentrava,
junto ao novo ar que circulava livre pela casa, outro mundo vermelho com
reflexos prateados, igual aos que se formaram durante todos estes ano, e me
encantam.
Este outro mundo
ficou na imaginação do ex-menino; hoje, quando o ar assume aquelas mesmas
cores, voltam às fantasias de um mundo de paz, contrastado com a realidade
deste mundo de guerras, artimanhas e sabotagens em que vivemos; mesmo assim
alegre e triste entro por poucos minutos no saudoso portal de minhas fantasias
de criança.
Espero que um dia,
um outro menino possa adentrar alegre este portal, bastando para isso que o
humano compreenda que: para se humanizar, necessita reconhecer que as ações destrutivas
são puramente instintivas, iguais a todo e qualquer animal e, somente as
dominando, conseguirá que as mesmas se modifiquem, para merecer realmente a
denominação de Ser Humano.
13/01/13
Tony-poeta