A SOGRA DO ALAOR
Alaor
estava desolado. Julinha sua esposa tenha feito um vestido novo para Dinorá sua
sogra, e ficava de minuto em minuto perguntando se ela estava bonita:- parecia
que vestia uma boneca, pensava ele. Dinorá continuava estática frente à televisão,
e não poderia ser diferente. Era uma Não Viva. Estas pessoas, as Não-Vivas,
habitavam a maioria das casas da região. É uma longa história.
Alaor
começou a recordar:
Há oito
anos o laboratório Organic implantou uma semente de transgênico. Escolheu a
dedo cinco municípios isolados nas margens do Jujui, pequeno riacho que cortava
todos eles. O experimento começava no Jujui da Nascente, e ia até Jujui de
baixo, passando pelas cidades de nome de Cima, da Margem de praia e Jujui do
Barranco. Ao todo moravam mil e quinhentos
agricultores nesta área. Viviam de plantar milho e feijão e tinham alguma
criação para consumo.
Os
Técnicos disseram que tinham colocado um vírus que quando as sementes brotassem
sairiam e matariam todas as pragas.
Foi uma
fartura. No primeiro ano a produção deu o dobro, saiu até na televisão no
Jornal do País.
A lavoura
de milho, no mesmo ano, foi feita como de costume: enterrar os pés de feijão
depois de retirada as sementes, o que era um bom adubo e barato. Daí o milho
era plantado.
Mesmo
com tempo bom e chuvas o milho minguou e não deu nem para o gado.
Ano seguinte,
plantaram feijão e não nasceu nenhum pé. Aí começou a tragédia.
Primeiro
vieram os cientistas da firma; depois de alguns dias os do governo e a seguir
os cientistas do exterior: da Europa de dos Estados Unidos.
Vieram
muitos cientistas, todos com roupas de astronautas, olhavam e depois iam
embora.
Depois
de algum tempo, sumiram todos os cientistas e representantes da firma. Isolaram
os cinco Jujui e os Municípios
Em
volta da Mata Florida, do Pássaro Alto, da Cavalcantelândia e de Jurema Triste.
Mais mil e quinhentas pessoas.
A
partir daí ninguém mais entrava nem saia na região. Diziam que o vírus também
atacava a pele das pessoas e por aí também era transmitido.
Era
verdade. A pele de todos habitantes ficou parecendo escama de peixe; tinha que
passar lixa para tirar a poeira que sobrava.
Pouco
depois vieram tratores e represaram o Rio Jujui. Em tempo recorde. Não queriam
que contaminasse o Rio Bonito, onde desaguava. Para isso fizeram uma barragem e
desvio, onde a água ficou entre o planalto e a montanha que cercava a região,
sem saída.
Diziam
que resolveriam depois como escoar. Quem morava na parte baixa teve de mudar
para a o alto, pois a água inundou. O riacho como era muito pequeno, levaria
muito tempo para chegar à parte alta, talvez nem chegasse, pois em pleno
semi-árido com secas às vezes de mais de ano, dificilmente encheria o açude.
I
Seu
Genivaldo, prefeito de Jujui de cima, o político mais experiente do local,
aproveitou que os Movimentos Verdes estavam fazendo barulho no mundo todo e,
resolveu agir. Ele tinha conhecimento, chegou a ser suplente de deputado pelo
partido da situação. Quando o Deputado Tinoco ficou três meses fugido, até
provar inocência numa acusação de fraude, foi ele que ficou no lugar. Foi,
portanto deputado atuante.
O
próprio Prefeito fez uma petição, não tinha nenhum doutor advogado nos isolados
de Jujui. Expôs que estavam num campo de concentração e sem direito de ir e
vir, o que é da constituição, e completou com muitas encheções de lingüiça que
achou por bem colocar, para dar mais volume ao processo.
Chamou
Roger e Alaor para corrigir o português e enviar o manifesto.
Enquanto
olhava a enorme papelada, Alaor que orientava na escrita pensava na vida.
Da.
Zefa, sua esposa perguntou:- Não está bonita?
Sabia
que qualquer resposta que desse se referindo a Não-Viva geraria discussão.
Sua
sogra, filha de Coronel, sempre altiva e mandona continuou assim, mesmo
falecendo. Parece que as pessoas que não voltam a terra não morrem e permanecem
vivas palpitando na vida dos outros. Falou um – Ta! Bem seco.
Zefa
continuou:- Vê como eu penso direito, como está toda dura fiz as laterais
soltas e alinhavei depois, ficou perfeito. Ela está de roupa nova para ver
televisão.
Conhecendo
a mulher, deu corda. –Ainda bem que você mantém o carinho, pensando:- A velha
não larga do pé.
-Pois
vou manter ela bonita até resolver este problema. Retrucou a esposa enquanto
alinhavava as dobras que ficaram caídas na região das axilas.
Alaor,
bravo com a interrupção de suas recordações ficou imaginando da besteira que
fez de vender sua casinha na Capital e ir para o sertão, só porque Zefa não queria
deixar a mãe velha sozinha.
Agora a
velha também mandava nele, mesmo naquele estado. Devia ter ficado com os amigos
de escritório, com o João e o Junior bebericando no final do expediente e
fazendo o que queria. Mas estava lá, não
adiantava. Continuou a pensar no texto.
O
Roger, dizem que quem deu o nomeou foi o avô que gostava de bang-bang. Como a
mulher não deixou por nome estrangeiro nos filhos, colocou no neto. A avó
morreu alguns meses antes, não atrapalhando o registro.
O Roger
era esforçado, aprendeu a usar o computador e depois a consertar, era o único
que entendia. Principalmente agora que não dava para sair nada do Rio Jujui,
nem uma agulha; era só por internet, o contato de qualquer objeto por um
habitante é contaminação certa.
Roger
leu o grande requerimento e, depois de três dias de discussão entre ele, o
Alaor e o Prefeito e destacaram: O campo de concentração e o direito de ir e
vir.
Roger
postou na net como petição.
Foram
colhidas milhões de assinaturas. Do País não foram muitas, era quase tudo de
fora. Mesmo assim, o governo achou por bem, para não ter pressão Internacional,
mandar ao Supremo Tribunal de Justiça.
Nunca
se viu uma petição andar tão rápido.
Quinze
dias depois começou o julgamento. Ninguém pediu vistas, realmente era um
assunto de urgência. Três dias depois estava quatro a quatro e o relator
Ministro Marcondes ficou com o voto de Minerva.
Fez uma
longa explanação do motivo de seu voto, como todos os Ministros fizeram. Após
três horas, sem apartes, concluiu: Não era campo de concentração, pois não
tinha câmara de gás; portanto um simples confinamento. Este confinamento era
amplo e dava a seus habitantes o direito de se locomoverem nele mesmo não
havendo veículos nem animais de tração. Além do mais era apenas uma medida
sanitária, provisória, e que seria revogada assim que o problema do vírus fosse
resolvido. Acrescentou: esta medida se justificava pelo bem comum. Não mudaria
nada, portanto.
Continuaram
confinados. Parte da população adoeceu por falta de bactérias para digerir os
alimentos e outra não. Algumas pessoas mantiveram as que participavam da
digestão e não foram afetadas. Idosos e crianças foram as maiores vitimas e a
população diminuiu pela metade.
Já as
bactérias de decomposição da natureza, estas desapareceram, mais nada
apodreceria e se decomporia no local.
O
governo então resolveu, via Net fazer o controle familiar. Como já mandasse a
ração alimentar, pois ali não mais se produzia nada e, por falta de milho e
capim a criação já tinha sido comida ou sacrificada. Passou a distribuir
pílulas a todas as mulheres, com a ameaça de cortar a alimentação caso alguma
ficasse grávida. Alaor acreditava que não seria difícil isto acontecer.
Zefa
chamou para o jantar. Como sempre se sentaram ao redor da televisão, desde a
morte da sogra abandonaram a mesa. Mesmo Não Viva a presença era obrigatória. A
comida era a ração monótona de sempre, a única que conseguiria ser absorvida
pelo intestino, ou seja, cinco pílulas de vitaminas e sais minerais, um fiambre
de carne para dar proteína e uma papa instantânea de batatas para fazer o bolo
fecal. As pessoas estavam todas magras, não havia problema de obesidade. Era uma
população viva, magra e descascando.
II
À noite Roger passou para ver o computador e,
falou impressionado com a divisão da população. Pouco mais de mil habitantes
restantes estavam divididos em dois grupos, fora os seus amigos: os beatos e os
liberados. Sobrava o pequeno grupo isolado dele, do Alaor, do prefeito
Genivaldo e de mais trinta pessoas que ficavam lendo, filosofando e procurando
uma solução para o problema. Era o grupinho dos intelectuais, que os outros
dois grupos olhavam estranho.
Roger
começou a lembrar da divisão da população. Depois de muitas mortes e dos
velórios uma parte se retirou para as Igrejas e ficou em oração e penitencia.
Os intelectuais começaram a ler. Fizeram uma biblioteca com os poucos livros
que existiam; quase ninguém tinha livros, a não ser o prefeito que fez uma
prateleira de cinco divisões de cinco metros cada e foi à capital. Comprou
vinte e cinco metros de livros encadernados de cores chamativas para ornar seu
gabinete. Este era o principal acervo, no meio dos livros por metro havia
alguns bons romances e uma coleção de filosofia, boa de se ler.
Já com
os liberados aconteceu o seguinte. Como não gostassem de Igrejas e não liam ou
por não saber, ou por falta de vontade; passaram a andar a esmo no que restou
das cidades, sem rumo e sem objetivo. Como todas as mulheres não iriam
engravidar, pela distribuição de pílulas e, sem o que fazer, começou a pulação
de cerca. De início houve brigas e mortes. Afinal o povo dali é muito machista.
Mas como o problema continuasse; os prefeitos, os padres e Roger, Alaor e mais
três letrados fizeram uma assembléia com os adúlteros.
Começou
brava, foram remarcadas três vezes, até que se chegou a uma conclusão: Não
tinha jeito. Ninguém ia parar de pular a cerca. Era melhor então cada um
assumir sem brigas e sem ciúmes. Foi falado muito claro: Se teu vizinho comer
tua mulher, você tem o direito de comer a mulher dele e ninguém vai brigar e se
matar por isso.
No
começo ainda deu um ou outro tapa, mas depois cada um assumiu sua postura e não
teve mais nenhuma briga. Agora se anda em grupos de homens e mulheres, ninguém
tem compromisso com ninguém e fazem o que quiserem na hora que acharem
apropriadas. Lógico que os religiosos
não concordaram e se retiraram. Para eles adultério é adultério, mesmo numa
população que não vai ter mais filhos. Mas resolveu- se o problema.
Naquela
noite conversaram ainda sobre o que deve dizer o Presidente da República.
Existe uma grande ansiedade geral. Foi anunciado no Jornal do País na TV que
faria um pronunciamento antes da novela, dali a três dias, no sábado.
III
Dia
seguinte Alaor, Roger e Seu Genivaldo encontraram-se no velho celeiro como de
costume. Só existiam cinco computadores funcionando em toda região. Tinham
recolhidos todos os aparelhos com defeito para verem, durante o dia, enquanto
tinha eletricidade, ver se aproveitavam as peças boas e tentar montar mais
máquinas, senão ficariam fora do mundo.
A luz
estava racionada, por não conseguirem pagar a conta, não havia rendimentos na
população. Tinha sido cortada. Mas o governo, por meio de um Decreto Lei mandou
que fosse restabelecida.
Fizeram
reunião com as distribuidoras, os moradores não puderam ir, por causa do
confinamento e ficou estabelecida luz das dez da manhã até o final da novela.
Tinham que aproveitar o tempo. A MUNDINET doou computadores para a comunidade e
estavam no porto aguardando, mas para efetivar a doação os deputados pediram
comprovação do numero de família, de acordo com o formulário do Regimento
Nacional de Estatística. As prefeituras
estavam sem funcionários, já que não havia mais serviço e salário. Os três
tentaram fazer tal relatório. Já enviaram cinco, mas sempre os números
apresentados não batem com o dos burocratas da capital e é pedido outro mais
minucioso. Há cinco dias enviaram um bem
detalhado, a resposta deve vir de dois a três meses; até lá se aguarde. Se é
que vão conseguir entregar com todos os custos que acarreta.
As
peças: não adianta nem pedir, além de não ter como pagar, a entrega é difícil,
foi depois de murada a região, feita uma cabine a prova de vírus. A carga chega
nele na capacidade máxima, se ultrapassar não é entregue. Como num cubículo de
um e meio por um mal cabe a ração do mês, mesmo o material sendo doado
necessita de outra carga. O governo só disponibilizou uma equipe mensal, dado o
alto custo da segurança. Portanto, fora a ração nem pensar. O remédio é
remendar o que se tem e rezar para não se desconectar do mundo e torcer que a
Mundinet faça a entrega prometida.
IV
Dia
seguinte Seu Genivaldo e Alaor conversavam sobra os não vivos. Lembravam que os
primeiros mortos depois da ORGANIC ainda se decompuseram. Os que e seguiram
foram enterrados em covas de sete palmos com a cruz, como era a tradição.
Era
seca. Com a chegada da chuva, a terra sem húmus tinha virado areia e a
enxurrada fez todos os corpos boiarem. Foi um horror. Corpos não vivos boiando
por todo lado. Reuniram o que havia de tocos de arvores, galhos e madeira e, com
o Padre, o Pastor e até com a benzedeira, fizeram uma reza e cremaram todos.
Como morreu muita gente desde que começou o vírus, tiveram que queimar muitos e
foi o fim da gasolina no Vale de Jujui.
Depois
disso, os que morriam não se tinha o que se fazer. Não adiantava enterrar, já
que iam aparecer com a chuva do jeito que foram sepultados. Não havia cimento
para se fazer uma sepultura resistente. Tijolo, até que podia se pegar nas
casas sem moradores dos que tinham falecido, mas não dava para fazer a massa.
Foi aí,
que em outra reunião agitada, ninguém teve nenhuma sugestão, e sem conclusão
deixaram que cada um cuidasse do seu Não Vivo, pois chamar de morto alguém
inteiro não dava.
Assim
cada um iria se virar de acordo com o grau de afeto por seu morto.
Conforme
foram morrendo mais pessoas, foi se fazendo quartinhos nos fundos com as
embalagens de ração; pequenos barracos e colocados os Não Vivos até que o
governo e a Organic achem uma solução.
Seu
Genevaldo lembrou que Dona Dinorá era a única que ficava na sala em frente à
televisão, coisa que ela sempre gostou, capricho da Zefa, Eta filha dedicada!
Alaor
acenou com a cabeça com vontade de dar um xingamento, mas calou-se.
Estavam
ansiosos pelas palavras do presidente. Combinaram de chamar o Roger e
assistirem juntos. As notícias indicavam que alguns progressos tinham sido
conseguidos.
Seu
Genivaldo falou da saudade do seu milho e feijão que crescia bonito naquele
paraíso do sertão que tinha rio e fartura. Lembrou do cachorro, do burrico, das
galinhas, o homem quase chorava. Alaor também estava sensível e esperançoso.
V
Era o
pronunciamento. Estavam na casa de Alaor; Dona Zefa não queria deixar Dinorá
sozinha, afinal era uma filha companheira, dizia ela. Frente à televisão
sentavam Seu Genivaldo e esposa, Roger e esposa e Alaor.
Acabou
o jornal. Deu a vinheta e entrou o presidente. Começou falando
- Trago
boas notícias.
Todos
se animaram. Era à hora. O Presidente continuou
-Conseguimos,
graças ao problema do Jujui fazer a primeira Reserva de Caatinga do País.
Mostrou o mapa. A região que moravam era apenas um pontinho, cercada de imensa
faixa marrom que representava a reserva.
Ficaram
meio desconfiados. Ninguém falou nada. A seguir o Presidente disse.
-A virose
já tem meios de ser contida; todos sorriram, e continuou: Os técnicos da
Organic desenvolveram uma planta que contém esta invasão e, portanto, a virose
ficará restrita onde está sem perigo de contaminar o resto da reserva. È a
espinheira santa milagrosa, conforme os cientistas a nomearam. Alaor falou:
-Vão
cercar a gente com espinhos além do muro. Todos fizeram silencio.
O
Presidente continuou: a via de acesso a Jujui vai continuar sendo mantida e
conservada. Porem não será reaberta.
Por fim
arrematou: Quanto à contaminação de seus habitantes: no momento, estão se
realizando estudos que apresentam esperanças e o Ministério deverá entregar um
relatório dentro de seis meses, portanto no próximo presidente.
Por
enquanto conseguimos trezentas calorias dia de melhora da ração de cada
habitante e mais uma polivitaminas.
Boa
Noite, a seguir veio à vinheta anunciando a novela Direito a Felicidade.
20/03/12
Tony-poeta