PASSADO E POESIA
Um telefone de falar com o passado me olhava, enquanto um
casal de papagaios comia com muito barulho as jabuticabas, bem junto à janela
do restaurante. Estava eu presente no passado e era parte da poesia, O passado
é como um poema que basta discar o numero e o telefone do que se foi retorna a
ligação com todos os encantos e doçuras.
A viagem era passado, no caminho a Brotas olhei Itirapina
onde o trem fazia baldeação; a placa de Araraquara onde meu tio e padrinho,
saudoso tio Dante, me presenteou a primeira calça comprida, feita numa vizinha
costureira, do tamanho da do meu primo Carlinhos, da mesma idade. Seria eu um
novo menino crescido na escola. O fim da calça curta era um orgulho para
qualquer moleque e uma proteção bem vinda para a fria garoa de São Paulo. Tinha
onze anos na época.
Na passada ligação com o antes, notei a cor das arvores. O
verde tinha um tom que se destacava, era discretamente mais verde do que via atualmente,
a terra vermelha da região mudava a cor e a vegetação contava lembranças, dos
passeios e dos laranjais onde íamos buscar laranjas, muitas laranjas.
Cá e lá as reservas de mata me traziam a lembrança à raposa
que atazanava a fazenda dos pais do José Carlos. Por anos seguidos em minhas
férias, sentados em bando de moleques na Rua Quatro, em frente à Droga Raia,
ele contava os mil artifícios para pegar a tal raposa que atacava o galinheiro
de sua fazenda. Que eu saiba, se não morreu de velha ainda anda por lá. Mas
após mais de cinquenta anos deve ter morrido.
O ar de passado reinou toda viagem, como criança não levei
problemas, não pegava computador nem celular, não havia cartão de bancos, só
cheques, todos se davam bom dia ou boa tarde ao se encontrarem nos caminhos.
Ali andava a pé. O Restaurante onde o passado se conectava ficava a 300 metros,
pelo menos três vezes por dia era obrigado a fazer a caminhada, ida e volta na
ladeira, para comer a comida especial. Aliás, o restaurante se prima pelo
estudo da comida típica Paulista desde os tempos dos Bandeirantes, comida boa e
farta.
O caminho, especialmente projetadas com arvores frutíferas
apropriadas às aves, tinha dezenas de espécies voando com seu colorido e canto
ao redor da passagem, como que nos saudando e lembrando que o mundo assim
poderia ser.
Nestes quatro dias que conversei com o passado pelo estranho
telefone, não fiz poesia já que a poesia era o lugar e eu estava dentro dela.
Tony-poeta
13/02/13