sábado, 23 de junho de 2012

CAMINHAR EM SÃO PAULO


CAMINHAR EM SÃO PAULO




Vinte anos atrás, fui de Marília a São Paulo de ônibus. A condução chegava, à época, no Terminal Tiete, pouco depois das cinco horas. Peguei o Metrô e fui até a Estação Paraíso, iria a uma reunião perto da Rua Augusta. Dois mil metros de onde estava.

Para fazer cera, resolvi ir a pé, a Avenida Paulista foi onde passei a infância e a juventude, fazia um bom tempo que por ali não passava. Andei recordando outras épocas. Estava amanhecendo. Quantas vezes voltei por este caminho da boemia, no mesmo horário.

A primeira coisa que me chamou atenção foi o grande número de passarinhos, que saudavam a manhã. A Av. Paulista ainda conserva, apesar dos prédios e do numero de pistas da rua, um Parque, chamamos de Trianon e uma porção de casas com árvores, muitas delas nativas. O abandono do estilingue pela molecada e consequentemente, a não agressão às aves fez que voltassem a frequentar o local: periquitos, sábias, fora os bem-te-vi, pardais e pombas que não haviam se retirado.

Terminada a reunião me dirigi à casa de um amigo de infância e colégio e, contando minhas reminiscências ouvi:

- Andou a pé na Paulista, você é um sobrevivente. Apresentava feição de medo e preocupação.

Não vi motivos que justificassem medo. Analisando: o medo estava dentro dele, naquela época.

Para mim, a exploração de manchetes de crimes, para aumento de audiência com o Programa Aqui Agora que começava a ser veiculado, criou um clima de insegurança, maior que o admissível para a criminalidade, já crescente por outras causas. A publicidade do crime como estava sendo feita atingia, não só a população como também redatores, chefes de redação e âncoras de jornais que tinham que ficar martelando notícias criminais. Generalizando o medo.

Estes usando carros blindados e mudando para condomínios fechados, influenciam a população que acompanha suas vidas. A contaminação é tanta que, o medo dos mesmos, ao preparar a matéria, acaba chegando à população de forma potencializada e, aos criminosos como demonstração de força, dos mesmos. O medo imaginário superou em muito o real.

Não que este fator isolado seja responsável pela criminalidade, mas é um fator de acréscimo a toda mudança social.  Temos uma mudança em andamento: da família patriarcal a outra que ainda não foi definida, com a nova definição de papel do homem e da mulher, do direito a reprodução e daí por diante; associado a populações excluídas e marginalizadas que, aproveitando a mudança, também exigem seus direitos, geralmente negados. Como colateral de todas estas reivindicações, plenamente válidas; temos o crime e a violência como efeito perverso não desejável e, em se estabilizando a sociedade em outro patamar ela se extinguirá espontaneamente.  

Quero ressaltar que os meios de comunicação, também na ânsia de audiência levam a população possíveis falhas. Na grande maioria das vezes polemicas e, não comprovados envolvendo as profissões que representam a autoridade para a população: igreja, educação, policia e medicina. Está prestando um desserviço; está cansativo assistir as pessoas falando:- Quero justiça, repetidamente, como que a lei não funcionasse e, a sociedade se encontrasse em total abandono. Este fenômeno vi: via TV a cabo e Internet se repetir em muitos países.

Não creio que levar, num momento de dor, a revolta de um parente seja serviço jornalístico. Sou totalmente contrário a este tipo de agressão.

Hoje o crime se encontra mais atrevido e com menos respeito às instituições, creio que o medo e a propaganda exagerada dos feitos criminosos, como estamos vendo atualmente, continuam a atrapalhar. E meu amigo insiste em continuar vendo a TV, mesmo cada vez que nos falamos tento dissuadi-lo deste vicio.

Mas como já falei, penso que é transitório e em se acomodando a sociedade em outra estrutura, por si só retornaremos ao equilíbrio.



24/06/12

Tony-poeta






A MOÇA QUE SORRIA









A MOÇA QUE SORRIA.







Estela era muito bonita, diziam que era a garota mais atraente da cidade e, realmente os rapazes a consideravam. Trabalhava numa das maiores firmas da cidadezinha, andava sempre muito bem arrumada, com roupas de bom gosto, salto de quinze centímetros, maquiagem perfeita e cabelo tratado no melhor cabeleireiro. Tinha plena consciência de que era atraente, e desfilava na passarela da calçada gostando de ser olhada. 

Tivera poucos namorados, sempre os mais atrevidos, com namoros que não duravam mais de duas ou três semanas. Nunca ninguém soube o motivo destes rápidos relacionamentos. Os jovens menos arrojados nunca tiveram nenhuma oportunidade, apenas arrancavam-lhe um sorriso com os lábios, sem nenhuma expressão facial.

Nos nossos bate-papos corria uma história: Diziam que havia lido numa revista feminina que gesto de rir movimenta todos os músculos da face, o que lhe provocaria rugas; já sorrir, a quantidade de músculos era bem menor e a formação de rugas seria muito pouca, o que não estragaria sua beleza. Se verdade ou mentira: não sei, mas nunca a vi dando uma verdadeira risada. Sempre estava ela com aquele risinho de lábios, sem contração da máscara facial.

Mudei da cidade. Voltei hoje, após muitos anos. Já estava envelhecido. Conversando com os velhos companheiros lembrei-me de Estela. Recordamos o seu não rir e sua forma de andar e se comportar, sua classe, seu modo impecável de se trajar. Eles me relataram como ela se encontrava e descreveram do seguinte modo:

Continuava toda arrumada, impecável com o cabelo bem tratado, com poucas rugas para a idade; parece que a revista estava certa, pois evitou a cirurgia plástica. Continuava a sorrir só com os lábios, permanecia secretária de boas firmas e seu serviço ainda era muito disputado devido a sua classe.

Continuava morando na mesma casa, os pais já haviam falecido, continuava desfilando na passarela da calçada com seu salto de quinze centímetros. Era uma jovem idosa realmente ainda bonita, sem filhos e persistentemente solitária.





11/2011

Tony-poeta


O BRINDE


O BRINDE





Na matriz espumante

Onde os sonhos

Não podem, (mas querem)

Não sabem crescer.

O brinde.

O chope

É sempre um martírio

Sombrio e tristonho

Tentando viver.





03/1970

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sexta-feira, 22 de junho de 2012

RETORNO


Retorno.





Volto ao universo antigo

A este canto amigo

Que só eu sei escutar.

Volto junto contigo

E, neste verso novo.

Sei que posso falar!



Volto rompendo o silêncio,

-Mudez das transformações,

Este choro dos milênios

Que ficou parado, perdido,

Com loucas ponderações.



Volto com toda força,

Com meu grito, meu canto,

Para em teus espantos

Poder mostrar meu estro,

Que sem modéstia

Nesta seresta posso sussurrar:

-Quero te amar.







30/09/1979

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MAR ENTRE MONTANHAS


MAR ENTRE MONTANHAS






Mar entre montanhas,

Recolhimento,

Pausa, ressonar,

Momento prolongado

Do sonhar.



Mar entre montanhas,

Pensamento,

Poder de caminhar

Movimento coordenado

Do sonhar.



Mar entre montanhas

Sentimento,

A vida procurar

Objetivo lançado

Do sonhar.



A vida é o caminho do sonhar.



22/06/12

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quinta-feira, 21 de junho de 2012

TE GOSTO


TE GOSTO







Te gosto



Como a espuma gosta de beijar a areia



E se misturar no branco da praia.



Te gosto



Como o luar gosta de beijar os casais enamorados.



E nós o somos.



Somos o futuro



No presente do passado.







Sem data

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SETE MESES


SETE MESES





Se vivi sete meses de poesia

Foste a musa. Jamais te esquecerei,

E nos delírios de triste agonia,

A ti, meus pobres versos, dediquei.



Quando teu olhar, furtivo e esguio,

Docemente me envolveu, gamei!

Senti calafrios. Fiz uma apologia

Aos deuses. A ti me entreguei



De alma e corpo. Não é fantasia

Senti-me todo teu. Que alegria!

Em tom allegro cantei apaixonado.



Mas, aos sete meses, foste embora

E, em teu retrato, te choro agora.





Sem data

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quarta-feira, 20 de junho de 2012

PRISÃO DE LUZ


PRISÃO DE LUZ.





Prendi-me nas luzes da grande cidade,

Na roda das saias das moças bonitas

Eu vi o arco-íris, o pote de pepitas

Me oferecendo as moedas do amor.



Prendi-me nas luzes da grande cidade

Luminosos de chope, doce veneno.

Vi os dentes alvos, cabelos morenos

De moças com graça sorrindo amor.



Prendi-me nas luzes da grande cidade

E, entre avenidas, correndo, voando.

Vi moças eufóricas rindo, brindando,

Falando alegres e rezando amor.



Prendi-me nas luzes da grande cidade

Fechei sozinho, as algemas em cores,

Junto com as moças sorrindo albores

Vivi entre sonhos os prazeres do amor.



04/07/1969

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terça-feira, 19 de junho de 2012

CINE LAR


CINE LAR




O Cine Lar era um pequeno cinema em São Paulo, ficava na Rua Cincinato Braga com a Av. Brigadeiro Luiz Antonio anexo a Igreja. Era lá que cabulávamos aulas de quinta feira, quando trocava o filme da semana. Era época das grandes produções Épicas e sempre gostei do gênero, gosto até hoje.

Todo filmes desta temática lá assisti. Estava no Ginásio, o equivalente de quinta a oitava série hoje, a escola ficava bem próxima na Avenida Paulista. O curso era noturno, todos os alunos trabalhavam, era obrigatório para se matricular. Para fugir das aulas tínhamos muitos estratagemas, um deles, era o seguinte:

Algum aluno, mal feito nunca tem autor, descobriu num dia de ventania, e na Avenida Paulista venta muito, que dois fios de acesso à escola estavam descascados e entraram em curto com a movimentação. Como os fusíveis não ficavam a disposição, fomos dispensados. Foi o bastante para que em dias de jogos no Pacaembu que dá para ir a pé e nos dias de filmes badalados, alguém entrasse em baixo das palmeiras onde se encontrava o poste de luz e o cutucasse com uma vareta que já estava estrategicamente guardada.

Neste dia que hoje me veio à lembrança tive uma visita no almoço. A Alameda Lorena tinha muitos moradores imigrantes, e aconteceu de três judeus ortodoxos, com suas pesadas roupas, apesar de estar um dia muito quente, me procuraram. Queriam de todo modo saber por que eu não frequentava a Sinagoga. Mesmo falando que minha família era procedente de Portugal creio não ter convencido. Fui para escola pensando se realmente era tão parecido.

À noite queimamos o fusível e fomos ao Cine Lar. Chegamos antes da sessão e ficamos conversando quando esta começou. Passava um “jornal” e depois o filme. O gerente do cinema se dirigiu a mim e falou ríspido que entrasse: - Você tem que prestigiar Nasser que está unindo nosso povo. Confundia-me com árabe e a meu lado estava o Salim que estudava na mesma classe e era filho de libaneses. Enquanto este ria, achei por bem assistir o tal Nasser a quem desconhecia.

Fiquei realmente impressionado com a liderança. O mesmo falava para uma multidão que o aplaudia e o seguiria em qualquer circunstancia. Nunca vira tal coisa; situação política do nosso País era confusa e com poucas lideranças. Respeitei e admirei tal liderança.

Pouco tempo depois Nasser foi brutalmente assassinado em uma parada militar, onde um tanque disparou um artefato onde este se encontrava com a família.

Hoje a morte de Mubarak, linha direta desta sucessão golpista me veio à lembrança Nasser e a dignidade que pregava ao povo. Mesmo outros militares ainda detendo o poder, o povo acabará por fazer as reformas necessárias.

Nossa vida é muito breve em relação à história que continua sempre e, independente do tempo acolhe os novos e necessários pensares.

20/06/12

Tony-poeta






OCASO


Ocaso



Calvo.

Cambaleante na calçada,

No ocaso da vida,

Vinha.

Trazia consigo o ar dos velhos tempos

E, as recordações de tantas vidas,

Que por entre a sua passaram.

Vinha,

Caminhava triste

Pensando...

Um saco de compras nas mãos

Apenas balançava

Na cor pesada dos anos acumulados.



Um bar havia.

Era seu caminho,

Um ponto em sua rota.

Nele o som plangente do violão.

Cantava jovem.

Ali eram jovens:

Namorando,

Bebendo,

Flertando,

Escutando o pinho

Que anunciava o dia presente.



Cambaleou...

O pacote quase se lhe arrebatou das mãos

Cansadas.

Ali ele esteve em anos passados,

Em um bar qualquer,

Escutando a voz que era seu presente,

Ouvindo uma vida que se lhe abriu

Florida e cantarolante

Parou.

Escutou.

Quase rolaram lágrimas.

Cambaleou novamente

Nos passos cansados

Rumo ao ocaso

Que a vida lhe preparara.





13/03/1971

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segunda-feira, 18 de junho de 2012

SOCIEDADE E SOLIDÃO


SOCIEDADE E SOLIDÃO



João levou um tombo frente à casa pobre do vizinho. Estava só. A esposa voltaria no dia seguinte, fora fazer compras. Iria almoçar no restaurante, era folga da empregada.

Estava a caminho do restaurante, resolvera andar um pouco, estava a pé, quando caiu em frente da casa quase desabando que o Manuel não vendeu para que se construísse um prédio. E alugava sem nenhuma mão de cal.

 Bateu o joelho, ficou passado de dor. Não conseguia se levantar.

O dono da casa que desabava, Seu Salvador o socorreu. Viu que a calça estava manchada de sangue. Diante da dificuldade que este tinha de caminhar levou-o para dentro da residência. João ficou assustado. Ficou inclusive com medo.

Todos da casa vieram acudi-lo. Barbara, a filha mais velha, que fazia curso de enfermagem, olhou o machucado, limpou-o e colocou gelo, imediatamente providenciado por Dona Lourdes, esposa de Salvador.

João, menos temeroso conheceu a família: Seu Salvador, Dona Lourdes, Barbara, Rafael e Robinson. Iam desligar o som com musica regional, mas imediatamente ele interviu e disse gostar da musica. Na verdade nunca tinha prestado atenção na mesma.

Relatou que estava só em casa e ia almoçar.  Fizeram questão que almoçasse com eles. Tinham comprado um pedaço da Assem e feito com mandioca. Pela insistência acabou aceitando e, gostou. Comeu com gosto.

À tarde, já com menos dor Seu Salvador e Rafael o levaram para casa. Disseram que iam levar alguma coisa para ele jantar. Tentou recusar, mas não convenceu.

Jantou uma saborosa sopa de fubá com couve cortada bem fininha, adorou e achou divino. Perguntou-se como nunca tinha experimentado aquilo.

Pela manhã chegou a esposa. Falou que caiu:

- Isto que dá andar descuidado. Falou ela. Mal olhou para o machucado e foi desfazer os pacotes:

- Bem, olha o que comprei.

Os filhos lhe deram um beijo social e foram para o computador.

- Marta: acabei almoçando na casa dos vizinhos, aquela que você diz que está caindo.

- Credo! Devia estar ruim. Esta gente não sabe fazer nada.

- Estava ótimo, eles ainda me trouxeram e a noite vieram com a janta.

- Entraram em casa, não roubaram nada? Você olhou?

- É gente trabalhadora, gostei muito deles.

- É o que me faltava: gostar de gente que vive quase em favela.

Desembrulhando as compres, Marta completou:

- Vê se sara logo. Sexta feira nós vamos para Campos e você tem que estar bom. Não vou sozinha.

João saiu de fininho e escreveu este poema:

Solidão

É sentir-se só consigo.

Solidão

Não é estar desacompanhado.

Solidão

É perder-se do tecido social.



Estar presente

Não estando

Estar cantando

Não escutando

Estar dançando

Com a alma congelada

Contida pelo gelo que forma a armadura.

Solidão

É a vibração do ser

Ficar retida dentro dele mesmo

Não ecoar, apenas repetir.

No martelar da mente

A aflição de não ser compreendido.



Solidão não é ausência

É ter na parede do ser

Uma gravura colorida

Com muitos personagens

Mudos que te ignoram.



Solidão é a presença não presente.



E ficou amuado, pensando... Pensando...



18/06/12














DOIS MUNDOS


DOIS MUNDOS




Viver é olhar para o chão e para o alto,

Ver as estrelas brilharem com doçura,

Ver os traços da noite no asfalto

Ver o céu, ver a terra, ver fartura.



Vive-se em dois mundos, dois estágios,

Um: da terra que se abre com o sol,

Outro: o sol que com seus raios

Abre a terra e a fecunda n’um arrebol.



Não se vive só no chão ou só no alto,

Não se vive em dois mundos separados,

Pois: são os dois mundos encaixados



E, o chão rude que pisamos: o asfalto.

Liga-se tanto com o céu profundo

Quais as infindas estrelas que é o mundo.



04/02/1965

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domingo, 17 de junho de 2012

MANSAMENTE


MANSAMENTE




Casa se faz de tijolos,

Amor se faz de mansinho,

A vida se conta em anos,

O céu se faz de estrelas

A terra toda em grãos.



Na cidade tem homens

Tem gente, tem multidão,

Tem morena

Que rebola

Pra gente

Devagar a cantar:



A vida é florida

Feita de liberdade,

Tem um pouco de hoje,

Muito de saudade.

O amanhã, quem saberá?

Poderá ser

O sonho que é de agora,

Pode ser outro sonho

Ou talvez sonho de outrora

E, que sabe?

Não seja nem sonho,

Seja apenas um repente,

Nada mais que um repente.



09/07/1971

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