DITADURA - 50 ANOS
Até o momento não foram julgados os crimes da ditadura. Por
serem crimes hediondos o julgamento é obrigatório; todos os envolvidos,
incluindo aos que deram apoio para que eles acontecessem tem que ser
condenados, mesmo os já falecidos. A sociedade consiste em um contrato entre
seus habitantes e não pode haver dúvidas ou clausulas mal resolvida, uma vez
que contratos fracos ou incompletos tendem a ser repetidos. É o que vimos numa
tentativa de reedição da passeata que gerou o golpe de estado, com plena
cobertura da mesma imprensa, a mesma que participou do atentado a democracia
que agora comemora meio século.
Na época do evento eu tinha dezenove anos, morava no Jardim
Paulista, bairro de classe média alta, onde moravam meus amigos. Trabalhava de
dia em cima de uma máquina de escrever fazendo correspondência de vendas;
estudava química industrial no período da noite, já fazia meus poemas e no fim
de semana jogava futebol no time de várzea Bandeirantes do Jardim Paulista e,
toma cerveja quando dava. Nada anormal para a idade. Possuía pensamento de
esquerda sem nenhum embasamento teórico, apenas não concordava com a injustiça
social e não muito mais que isto. Minha família, principalmente meu pai, tinha
um pensamento mais a direita, compatível com a posição social, porém do mesmo
modo preocupado com a pobreza, que era grande.
No enfrentamento da Av. da Liberdade estava na Av. Angélica,
no Colégio Oswaldo Cruz, quando nos foi passada a informação de que devíamos nos
concentrar na Pça. Buenos Aires, perto do Colégio. Havia uma concordância
generalizada de repúdio ao Regime imposto, sem nenhuma conotação partidária, já
que os partidos eram inexistentes. Dirigimos-nos ao local indicado. Ao meu lado
havia um estudante de origem Espanhola e com sotaque típico, cujo nome me
escapa.
Estávamos a caminho quando chegou o Exercito. Desceram de
fuzil e vieram para o grupo, que realmente era numeroso. Preocupado com o amigo
estrangeiro, que se identificado provavelmente seria preso, coloquei-me
fisicamente como intermediário ao colega e senti um fuzil em minha testa,
chegou a encostar. Mantive a calma, com dificuldade, consegui entender a ordem
para dispersar, o que diante do poderio de armas estava sendo feito sem comando.
O deslocamento foi estratégico para dividir os militares, o que não sabíamos.
Ano seguinte prestei vestibular e entrei em Marília no curso
de Medicina. Era a segunda turma, na primeira turma estava o Mauro Osti, junto
fizemos o Jornal o Neurônio, que saiu apenas dois números [não tenho nenhum
exemplar] onde coloquei uma crônica O Ratinho, na qual ironizava o DOPS
[encontra-se em meu blog] e criamos um serviço de assistência aos colegas
estudantes, O DACA, com Xerox e apoio dentro do possível, uma vez que a
faculdade longe de Capital e paga [atualmente foi estadualizada] deixava em
desamparo alguns colegas com dificuldade de manutenção.
Nesta época começou o primeiro fato estranho, toda vez que
ia a São Paulo, no apartamento de meus pais, portanto minha residência, o
zelador caia das nuvens, para que se preenchesse um formulário de deslocamento,
a mando do exercito. Este controle durou anos.
Ano seguinte fomos eleitos, eu e o Mauro para o Diretório,
ele presidente e eu vice. Criamos o DACA social, onde o objetivo era reunir
todos acadêmicos da cidade, que já era de perfil Universitário; com um bar e
restaurante, biblioteca, teatro e atividades culturais. O empreendimento teve
grande êxito a ponto dos professores da filosofia freqüentar, com longos bate
papos ao entardecer. O Decio Pignatari tinha uma mesa cativa onde tomávamos uísque
uma vez por semana, entre outros.
Rapidamente arrumaram um impedimento para o Mauro, por
motivo fútil ele foi destituído e eu assumi. Foi dada continuidade ao projeto.
No final do ano fui reprovado em matéria de semestre. A reprovação impedia que
se candidatasse a qualquer cargo, conforme o regimento. Pedi revisão de provas
e foi alegado que as mesmas foram jogadas no lixo. Isto pelos professores.
Procurei advogados na cidade. Todos alegaram que não iriam pegar
causas contra a fundação Mantenedora. Nada conseguindo a política Universitária
tanto minha, como do Mauro terminou por aí. O centro social acabou em dois anos
e o trabalho foi perdido.
Interessante notar: que não tínhamos na época nenhuma
ligação com qualquer movimento e, eu pessoalmente, apesar de ler muito, nunca
tinha lido Marx ou seus seguidores, inclusive por falta de acesso e também por
falta de preparo, o Capital é um livro difícil, provavelmente eu não o
entenderia.
Estou dando este depoimento para mostrar que o controle da Vida
pessoal e da liberdade individual foi restrito em alto grau, mesmo não sendo
submetido a constrangimentos piores, como vemos nas barbáries da Comissão da
verdade, onde até crianças foram torturados, além de estupros e assassinatos.
Vim a conhecer a Teoria de Mais Valia e entender a diferença
entre capitalismo e comunismo bem depois, já com opinião bem dirigida para a
esquerda.
A ditadura não tem justificativa em hipótese alguma e os
admiradores da mesma ou a desconhecem ou tem algum desvio social patológico.
Tony-poeta