O FUGITIVO
Era
José, simplesmente José, assim gostava que lhe chamassem. O mundo para ele era
uma viagem e José era um nome comum, se julgava comum e por onde passava era
apenas José.
Nunca
conversei com ele, as noticias que tive foram por ser folclórico. Em um pequeno
Distrito de Panorama por onde ficou por três meses e morava meu tio, consegui
ter mais informações. Refere tio Nelson que deu morada a José. Era um pequeno
celeiro na chácara que morava.
O moço,
descreve ele, era uma pessoa boa que me fazia companhia, sabe um velho morando
solitário na beira de um riacho gosta de um papo. Era bom papo.
Ficou
um tempo ajudando Seu Chico a cavar fossas, o Dé Bebum que o ajudava tinha
morrido.
Ele
tinha uma rotina, cada troco que recebia comprava um mantimento para pagar a
hospedagem, sempre vinha com óleo, farinha, toucinho ou outra coisa, quando
ganhava bem trazia uma carne melhor, sabe tenho porcos e galinhas, carne de boi
é festa. Não fumava e não bebia, mas não se incomodava com meu pito de corda da
tarde.
Tomava
o banho, comia comigo e papeava até a hora de dormir, falava direito, como
gente da cidade, sabia muita coisa interessante e repetia:
- Não
entendo a sociedade, quando vejo que não dá para entender no lugar que estou,
busco outro. Nunca falava mais que isto, nem de sua vida, apenas dizia, não
brigo, não mexo com mulher de ninguém e não incomodo.
-
Perguntei um dia se não tinha medo de sair à toa, sem saber se iria comer ou
ter um telhado e Le respondeu:
- Aqui
cavo fossa, sempre tem uma sujeira que dá dinheiro suficiente para comer, a
sociedade faz muita sujeira e as pessoas não gostam de limpar seu lixo. Sempre
tem alguém disposto apagar para limpar um terreno, preparar o estrume para a
lavoura, sempre tem um banheiro num bar da estrada que precisa ser limpo. Nunca
me faltou serviço e com o tempo arrumo um canto para deitar.
- Um
dia à tarde Seu Chico pagou o que devia, ele passou aqui pegou a roupa, deixou
um pedaço de carne boa na geladeira e desapareceu, saiu de novo pelo mundo.
Todo mundo ficou triste, era um sujeito bom e o compadre ficou inconsolável,
estava sem ninguém para ajudar a cavar as fossas.
Poucos
dias depois veio um parente do José procurando seu paradeiro. Ele me disse que
não era José seu nome, que o nosso José morava na Capital, tinha estudado e
estava em um bom emprego, não era louco e não tinha vícios, e num belo dia
pegou uma muda de roupa e sumiu. Deixou apenas um bilhete dizendo que gostava
de todo mundo, mas não entendia a sociedade e desapareceu sem deixar rastros.
Desde então a família o procurava. Ele já tinha morado em um cortiço, uma
palafita, sempre fazendo o serviço que ninguém quer e sumindo na hora que dava
na veneta.
Pena
que o parente chegou atrasado.
Há dois
meses soube que passou por um pequeno distrito perto de Marília. Fui averiguar
num final de semana. Tinha ficado no Sitio do Joab. Fui até lá.
Joab um
senhor desgastado pela idade tinha um roçado e uma criação de porcos que
engordava para as festas de Páscoa e Natal. Perguntei por José.
-
Também gostaria de saber respondeu o senhor. Pensei que iria ter o filho para a
velhice, já que os verdadeiros foram para cidade grande. Ficou três meses
comigo. Era uma boa pessoa, me ajudava muito. Todo dia pegava a carroça e ia
aos restaurantes pegar os restos de comida para lavagem dos porquinhos. Dava de
comer, limpava o chiqueiro, roçava o entorno, cuidava com carinho. Ainda
ajudava na roça, sabe estou velho e era grande a ajuda. Eu pagava o combinado,
tentei pagar mais ele não aceitou. Um dia depois do pagamento, sumiu.
Acho
que foi para [falou um nome que não gravei]
-
Como? Perguntei.
- E um
nome dos índios que moraram aqui, quer dizer caminho dos macacos que sai da
pedra pontuda. A gente chama aldeia.
- É
longe?
-Voltei
a interrogar.
- É
logo ali. Sei bem que este logo ali pode ser perto ou muito longe, um costume
de Interior.
- Como
chega lá?
- Pega
o asfalto a direita no contorno, depois a seguir tem uma estradinha de terra,
depois da estradinha anda um tanto a pé e está na Aldeia. O pessoal lá é bom.
Vem sempre para a cidade trazer o que plantam e criam e trocam pelo que falta e
querosene.
-
Querosene?
- É: lá
não tem luz e só passa carroça. São muito pobres, comem o que plantam e a sobra
trocam, dificilmente ganham algum dinheiro.
Fui à
procura. A estrada asfaltada acabou em um quilometro. Segui numa estradinha estreita que subia e
descia mais trinta quilômetros, na pedra pontiaguda facilmente visível acabava
e, mais dois quilômetros e avistei um vilarejo de casas de barro, com alguma
criação, uma plantação mirrada e três caos famintos e magros. Fui bem recebido.
Os moradores eram caboclos, como sempre hospitaleiros. Tomei um café fraco como
é costume local e ninguém tinha visto José em parte alguma. Não tinha chegado
lá.
Voltei
frustrado até a pedra pontiaguda onde estava o carro. Achei o lugar meio mágico
e fui olhar em volta. Em baixo da pedra estava uma calça de brim, desgastada.
Roupa de trabalho. Joab havia falado que José comprou uma calça de brim nova e
a velha passou para as tarefas. Certamente era ela e ele chegara até aquele
ponto. Porque voltou para trás?
Pensei
bastante e acho que descobri o ocorrido. Deve ter chegado muito cansado na
pedra, saiu a tarde e certamente era madrugada quando ali parou. O lugar um
tanto místico, com as pedras apontando o caminho, o céu estrelado deve ter
entendido que a sociedade da qual fugia também estava dentro dele. Deixou a roupa que trabalhava ali e voltou
para casa.
Tony-poeta
20/11/13