sexta-feira, 23 de janeiro de 2015

HORA DA SAUDADES - crônica poética -



HORA DA SAUDADES


Certo dia João Rogério, técnico em informática, achou que não era certa a bagunça que fazia e, resolveu de uma vez por todas colocar ordem na vida.
Programou o celular para determinar a função: desde a hora de acordar, tomar café, almoçar, até a hora correta que iria repousar. Não esqueceu o horário do jornal da televisão, a hora de pensar bobagens para esquecer o trabalho. Para pensar na vida colocou quinze minutos: era o horário da saudade, iria lembrar a infância, o amor perdido de Maristela e os colegas de escola, foi lá que a conheceu e nunca mais a encontrou.
Mas o tempo traiçoeiro, todo cheio de melindres começou o instigar, cada dia que passava, mais ele se agoniava esperando o horário da saudade se anunciar.
Nesta hora ele sentava, na cadeira mais confortável, sorria ao se lembrar das coisas singelas de outrora e logo escondia a lágrima, contida, que nem ele queria olhar.
Todo dia nesta hora, onde a lágrima se escondia, o celular no seu trinado dizia:
- Já é hora do jantar.

24/01/15
Tony-poeta


quinta-feira, 22 de janeiro de 2015

A BARATA, UMA REFLEXÃO INUSITADA.



A BARATA, UMA REFLEXÃO INUSITADA.


O calor estava excessivo, fui tomar uma ducha, coisa rápida já que a água tem muita pressão nos edifícios de vários andares.
O pequeno box de oitenta centímetros de lado faz um quadrado perfeito, com três paredes de azulejo e uma porta de vidro blindado. Devidamente despido para o banho, fechei a porta e dei vazão ao liquido. Súbito do canto direito da porta sai uma barata em grande agitação. A mesma se dirigiu em direção ao piso.
Como moro em cidade de veraneio, no verão é habitual a visita de tais insetos. Grande parte dos apartamentos de veranistas passam o ano fechado e, com a presença de moradores estas saem e invadem os apartamentos dos vizinhos.
Como em quarenta anos de medicina jamais tive notícias de alguma pessoa adoecida por baratas, deixei a chinelada para depois do banho e continuei me ensaboando.
O inseto correu os primeiros oitenta centímetros em direção da quina da parede, muito agitado, o que atribui a minha presença. Tentou em vão subir nos azulejos; correu o mesmo tanto a outra quina e parou de cabeça para o alto, como esperando uma ocasião para buscar refúgio.
No meu modo de pensar baratas nadam, vivem em banhados e galerias pluviais onde há bolor do qual se alimentam, continuei o banho. Não se passara meio minuto. Acabara de me ensaboar e eis que o inseto vem boiando em direção ao ralo, com a barriga para cima e as pernas encolhida. Estava morto. Nunca imaginei que ficaria surpreso com tal morte, mas fiquei pensativo.
No meu modo de imaginar o mundo, sempre acreditei que a vida é um mero efeito do planeta e a ele pertence, nunca diferenciei uma vida animal de uma vida humana. A chinelada na barata é apenas uma questão de domínio de espaço e segue as regras da natureza, mais nada. Me constrange mas faz parte do jogo.
Lidar com a morte faz parte de minha profissão, em enfermarias e Pronto Socorros a morte acompanhava os dias de trabalho, é um contato íntimo. Mas esta morte da barata era diferente.
Na medicina recebemos pessoas doentes, acidentadas, afogadas onde nosso trabalho é restituir a vida. O óbito é sempre uma hipótese presente; tanto é que nos grandes serviços, com todas especialidades se realiza regularmente a Reunião de Verificação de Óbitos, não para atestar displicência, porém para em conjunto verificar se pode haver melhores alternativas para os doentes que nos procurarão com patologias semelhantes.
Para nós a morte é sempre uma perda e sensação de limitação de nosso conhecimento, onde um ser doente com potencial de não cura, não conseguimos inverter a situação. Vemos a morte como derrota, não pensamos no que representa a vida. Apenas lutamos para mantê-la.
No caso da barata minha visão foi o oposto. Era um ser vivo, ágil, não doente que em menos de um minuto morreu num meio em que se aproximava do que vivia. Foi neste momento que realmente compreendi a fragilidade da vida. Basta um instante, um descuido ou um acaso e toda energia desaparece com as patas cruzando o peito. O dia a dia, mesmo em presença de doentes que faleceram e de baratas que levaram chineladas nunca tinha me oferecido esta visão real que a vida é tão efêmera e frágil e se desmancha em segundos.
Terminado o banho, ainda olhei consternada para a barata morta para ver se se movia.

22/01/2015
Tony-poeta



domingo, 18 de janeiro de 2015

CHUVA DE RAIOS - prosa poética -



CHUVA DE RAIOS


Dormia após um dia de trabalho, o quarto estava muito quente, era pleno verão. As janelas abertas deixavam entrar o ar e a noite. O sono era pesado. Estava só.
Súbito o quarto começou a acender e apagar uma luz azul; como de uma boate, que de modo frenético tocava um ritmo de discoteca. Foi o que me despertou, não foi o ruído dos trovões que em intervalos marcavam o compasso da dança louca em tons azulados.
O súbito despertar ante o inusitado provocou apreensão. Seria medo? A solidão e a vida sempre tremem com o desconhecido. Lentamente tentei entender. O relógio marcava três horas e o ponteiro dos segundos deslizava normalmente. Seria um sonho?
Tentando raciocinar fui acordando. Sonho não era, cansado raramente sonhava. Quem sabe um curto-circuito no apartamento vizinho?  Não! Não havia fumaça. Era um estranho festival de raios que nunca tinha assistido. Sonho acordado? Pesadelo? Os clarões continuavam enquanto tentava despertar e raciocinar.
Para acender a luz bastava estender o braço. Comecei o movimento. Interrompi: -Sou um homem ou um rato? Pensei comigo. Afinal: - homem não tem medo; assim meus pais falavam, continuei no impasse tentando não mostrar medo. Sim! medo para minha própria pessoa.
Raciocinei novamente: Ratos não tem lâmpadas nem tomadas. Estava justificado. Não seria um rato acendendo a luz. Acendi. Por entre os raios um trovejar mais forte. Arrepiei! Logo depois tudo parou e me senti confortável na solidão de meu quarto; um tanto trêmulo, é verdade.
Os raios foram embora. Entendi naquele momento, que eles partiram para outra janela procurando seres solitários que esqueceram de sonhar. Não se pode viver sem sonhos.
Comi uma maçã e voltei para o leito.

18/01/15

Tony-poeta

O ROUBO DAS TEMPESTADES



O ROUBO DAS TEMPESTADES.


Num Oasis muito pequeno perdido em um imenso deserto nasceu Jamil. Possuidor de uma inteligência privilegiada, na verdade era um gênio.
Assim que entrou na adolescência foi estudar em Países desenvolvidos tornando-se doutor e, com a aplicação do dinheiro que ganhava ficou milionário.
Preocupado com seu povo e com os demais povos abandonados do deserto começou a pesquisar uma maneira de levar água para aquela distante região. Estudou muito e descobriu que não se tratava de falta de ventos, estes eram abundantes e revoltos. Concluiu que era o eletromagnetismo, que ausente não atraia as nuvens.
Conclusão assumida, fez um reator eletromagnético no trajeto do vento perto do Oasis e do seu povoado. A conclusão foi correta, começou a chover três vezes por semana.
A chuva no deserto, onde a areia mineral não tem matérias orgânicas não permitia a agricultura. Como vida se alimenta de vida, não importa se viva ou morta, havia necessidade de colocar matéria viva na área das chuvas, uma grande área, por sinal.
Por meio de associações de defesa ecológica, conseguiu transportar para a região as folhas caídas no outono das regiões do outro lado do mar. A colocação da matéria em decomposição, mais a água do invento permitia a agricultura. Nesta época a região já possuía inúmeras cisternas para abastecimento e duas represas suficientes para a lavoura, isto aproveitando as irregularidades do terreno.
A lavoura foi um sucesso. Duas colheitas ao ano. Além de abastecer a comunidade, iniciar a criação de vacas leiteiras para melhorar a alimentação de seu povo, ainda tinha importante excedente.
Começou a comerciar o milho e a soja das colheitas com os povos da vizinhança, por um preço razoável, com um lucro honesto, ajudando a minorar a penúria das pessoas abandonadas ao clima e ignoradas pela sociedade desenvolvida.
A Bolsa de Mercadorias de Futuro nas Metrópoles sentiu a concorrência e apresentou pequena queda nos dois itens, a saber: milho e soja. A queda realmente foi mínima, porém a ideia de Jamil de espalhar a máquina da chuva para outras comunidades preocupava.
Não demorou muito, que Jamil ao iniciar pela manhã os trabalhos no reator, juntamente com outros engenheiros e técnicos, recebesse a visita de vários Drones. Com não possuíssem armas, tudo foi destruído, usina, homens, o próprio Jamil e os estudos realizados.
O Maior jornal da Metrópoles escreveu em editoria: MUITO JUSTO
                                                                                              NINGÉM ROUBA AS TEMPESTADES DO
                                                                                                             OCEANO
E o deserto voltou a ocupar seu espaço.
18/01/2015

Tony-poeta