quinta-feira, 17 de julho de 2014

OLHAR O SER



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OLHAR O SER

A necessidade de sobreviver
Faz com que a vida
Passe desconhecida
Sem tempo de olhar o ser
Que diminui e se encolhe...
Se recolhe
Na cadencia adormecida
A qual chamamos viver.

A fala repetitiva
Sem substancia
Na constância do falar
Corre em busca do amor/alimento
Que cega a vida em meandros
Que levam ao mesmo ponto
Sem a necessária fluidez
Que cria o pleno gozo.

17/07/14
Tony-poeta.



domingo, 13 de julho de 2014

MAESTRO ADROALDO E O ESCRIVÃO.



MAESTRO ADROALDO E O ESCRIVÃO.
imagem Google

Adroaldo estava na delegacia esperando sua vez. O Maestro, esta é a profissão deste senhor já aposentado, teve seu carro roubado e ia registrar ocorrência; mesmo não tendo esperanças de encontra-lo. Era um carro velho, com mais de dez anos que usava para lecionar música em um conservatório particular, onde completava a sua magra aposentadoria. Junto com este trabalho, uma ou outra aula de piano que ministrava em sua residência completavam seus ganhos modestos.
Ao chegar sua vez se deparou com Souza, seu vizinho há anos, com quem pouco conversava, apenas: Bom Dia! Ou Boa Tarde!
- Maestro, o que aconteceu?
-Roubaram meu carro.
- Pelo ano, foi para as quadrilhas de desmanche, ninguém acha... mas, vamos fazer o Boletim de Ocorrências. Quem sabe o senhor tem sorte.
- Por favor Professor os documentos...
Souza começou a datilografar na velha Remington da delegacia, ainda não informatizada. O Maestro foi fornecendo a Rua, Hora, Local e demais informações que rapidamente eram passadas ao papel com uma destreza impressionante do escrivão. Adroaldo só olhava.
- Seu Souza, o senhor digita sempre assim?
- É a pratica Maestro, quinze anos com esta máquina eu e ela nos casamos, falou sorrindo.
O Maestro começou a pensar: Coordenação perfeita de visão, cérebro e dedos. Impossível que não consiga tocar o piano. Tem tudo que é necessário.
- O Sr. Não quer aprender a tocar piano, Seu Souza?
- Eu?
- Sim, a coordenação é perfeita para o instrumento.
- Mas não entendo nada das músicas que o Senhor toca, escutamos em casa. É bonito, Mas destas, o meu pessoal só conhece aquela assim e solfejou com dificuldade uns acordes.
- É o Bolero de Ravel, esta é bem conhecida.
- Sim professor, de resto só escuto as músicas do rádio...
- Porque não tentar? Vizinho.
- Sabe, ganho mal, com três filhos não dá.
- Não vou te cobrar nada, não cobro de quase ninguém na comunidade.
- Sabemos, o Senhor já tirou muitas crianças da rua, comentamos sempre aqui...
- Sabe professor, aceito.
Combinaram os dias e se iniciaram as aulas. As partituras de ensino eram copiadas dentro da delegacia; o aluno era aplicado e até conseguia treinar no piano da Igreja, onde um dos Pastores era seu primo.
Certo dia Souza chega com uma partitura de uma música que fazia sucesso na rádio.
- Professor, vê se está certo.
Tocou conforme o impresso corretamente, mão direita e esquerda sincronizadas, pausas e tempos corretos.
- Está perfeito! Bem de acordo com o arranjo.
- Sabe: falou o Souza, na rádio sai mais sons do que toco aqui, não entendo?
- É o acompanhamento amigo, a mão esquerda permite o floreado.
- Como é isto, professor?
- São notas afins que fazem o acorde. Supondo este Do, podemos usar mais dedos e colocar o Mi e o Sol, daí fica cheio o som.
- Entendi, onde aprendo isto.
- É uma relação matemática, cada nota é harmônica com outras, é possível até fazer o cálculo.
- Onde encontro isto?
-- Este livro, pegou na prateleira, ensina tudo.
- O Senhor me empresta?
- É muito adiantado para começo, mas leva e vê se entende.
Semana seguinte o escrivão abriu sua partitura e mostrou o avanço ao Maestro. A mão esquerda fazendo os acordes dentro do tempo, mesmo repetitivos ficou bom.
- O Senhor aprendeu rápido Seu Souza.
- Meu primo, o Pastor, me ensinou como fazer as contas do livro. Acho que aprendi, anotei e ficou assim.... mostrando a partitura com acompanhamento todo anotado a mão e com destaques.
- Exato, é isso mesmo, podemos variar mais, mas assim está bom, mais para frente o Senhor aprende.
As aulas continuaram, o escrivão tinha realmente coordenação, avançava lentamente, não entendia os clássicos que começavam a ser ensinados nas peças mais simples. Certo dia o aluno chega com algumas partituras na mão.
- Está estudando por conta própria?
- Estou sim, já aprendi estas aqui. Mostrou algumas músicas populares, com as anotações manuais de acompanhamento.
- Deixa eu ver.
- Os acordes da mão esquerda são repetitivos, cada Do segue esta sequência e assim por diante, mas vamos ouvir.
- É exatamente o que queria ouvir do Senhor.
Tocou três músicas sem erros.
- Leitura perfeita Seu Souza.
- Professor, para meu gosto aprendi. Não vou conseguir tocar clássicos, não tenho conhecimento para isto, coloca alguma criança no meu lugar. Sou eternamente grato. Fico muito feliz por conseguir tocar mais ou menos o que toca na rádio.
- Adroaldo tentou convencê-lo a continuar, mais não tinha jeito, Souza estava feliz e achava que aquele ponto estava ótimo para ele.

Passados alguns meses Souza vai à casa do professor e o convida a ir no sábado na Cantina do Piola, uma cantina movimentada e muito bem frequentada. O Maestro aceitou intrigado.
Dia marcado Adroaldo sentou numa mesa próxima do piano.
As Pizzarias são lugares agitados e barulhentos, coisa que ninguém explica. De onde estava poderia ouvir seu ex-aluno tocar. Pediu um vinho, uma Pizza.
Souza já estava tocando. O piano tinha um calhamaço de partituras; o garçom levava pedidos escritos de músicas dos frequentadores e a música corria alegre, ora tarantelas, ora música popular. Souza era aplaudido ao final de cada peça.
O Maestro reparava atentamente, o ex-aluno tocava bem mais solto que nos tempos que ia as aulas, deve ter treinado muito e o contato com o público deu certamente mais confiança. O dinheiro extra que recebia no estabelecimento, por certo ajudava na sua vida familiar, porém alguma coisa não o satisfazia.
Depois e muito pensar, percebeu que por mais diferente que fosse o gênero ou o ritmo tudo seguia como um batalhão marchando. Era isto! Como uma pessoa treinada para prender, num ambiente pesado onde ficou por toda a vida, onde se lida com a tragédia e o castigo poderia variar? Certamente seria uma exceção.  
A vida levara seu aluno a um continuo de guerra, a música transmitia isto a seu ouvido treinado. Jamais teria prazer em tocar um clássico, tinha talento, tinha certa técnica, mas continuava batendo no teclado da máquina, com perfeição. Podemos criar ótimos técnicos, não virtuoses, estes nascem dotados e a vida encaminha.
O piano nesta hora parou, Souza se dirigiu aos frequentadores:
- Tenho a honra de recepcionar o Maestro Adroaldo que ensinou tudo que sei. Peço que ele nos dê a honra de tocar para nós o Bolero de Ravel, que todos gostamos.
O Mastro sentou ao piano e delicadamente começou a dedilhar a música, todo alegre e vaidoso.

13/07/14
Tony-poeta

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