INDIVIDUALISMO E MORTE
Hoje uma coisa me chamou atenção enquanto lia um artigo
sobre Roma antiga, a maneira que eles enfrentavam a morte. Realmente, completamente diferente de hoje;
pelo menos nos relatos históricos.
Certa vez um amigo, professor Universitário [já falecido] de
grande cultura veio me procurar. Pedia ele que fosse a um velório, uma vez que
a família estava desconfiada que o defunto não houvesse morrido. Tinham
colocado um espelhinho nas narinas e acreditavam que este ficou embaçado. Perguntei mais detalhes antes de uma visita
desagradável e inútil, até que ele me informou, quando perguntei de que tinha
morrido este senhor, que o mesmo morrera de infarto do miocárdio, conforme
constava da autópsia.
Expliquei-lhe que após uma autópsia evidentemente o homem
estava morto. Isto ocorreu há vinte anos chamou-me atenção, mas era esporádico.
Nos últimos anos que cliniquei em Prontos Socorros e Hospitais a inconformidade
se generalizou. Por mais que fosse evidente que o paciente não tinha mais nada
a ser feito, a família sempre procurava uma explicação à morte, ora culpando o
próprio doente, ora o cuidador, ora a equipe médica, ora os exames
subsidiários, mas na maioria dos casos, sempre a procura de um “culpado” por
esta morte, a qual achava “não natural”.
Realmente a ciência apresentou grande avanço e, a vida média
aumentou muito fazendo com que a morte ficasse menos presente na vida da
sociedade, felizmente. Porém esta não aceitação da morte, processo natural de
todos os seres vivos necessita uma análise mais acurada.
Com a organização de grupos de humanos, a presença de um
líder, a quem eram atribuídos poderes “sobrenaturais” como, descendente de Deus,
o poder mágico, poder de ver o futuro, ou seja, o poder do Oráculo; a pequena
sociedade que nele se apoiava ficava a mercê de sua vontade em todos os pontos,
incluindo a morte, que ele a decidia conforme seu entendimento.
Com uma organização maior, a vida ficou na dependência de
hierarquias, o pai aceitava ou não o filho; caso não fosse aceito era morto ou
abandonado, como Édipo ou Moisés, para que morresse, pois não estava
socialmente aceito. Portanto a vida
passou a pertencer à sociedade em si, e se estendia a todas as camadas,
incluindo o Governante Maior.
Estava criada uma hierarquia de vida. Além da natureza com
seu tempo incerto, o dominante determinava a vida do dominado. Este podia ser
morto, mandado para guerra, vendido como escravo ou mercenário, enfim o que
aprouvesse o senhor. Este por sua vez, no jogo de poder, vivia entre os
assassinatos por armas ou envenenamentos, sendo sempre a disputa de morte.
Pós a sangrenta 2ª Guerra Mundial, com a descoberta dos antibióticos
e os progressos científicos que a guerra propiciou, a Medicina começou a ter
melhores resultados para a manutenção prolongada da vida.
A sociedade por sua vez começou a apresentar autonomia, não
se submetendo a mandatários, bem como as leis para assassinatos ficaram
rigorosas, incluindo os praticados pelo próprio estado.
A religião perdeu força e a prepotência passou a fazer parte
de cada um.
O homem livre de suas mazelas começou a se sentir ele mesmo
imortal e, o seu Deus passou a ser a ciência. Se alguém morreu houve falha,
pois a “divindade ciência” não falha.
Esta ausência de um controle superior da vida, própria do
ser humano, e consequentemente da parte social está provocando uma
desagregação; a sociedade que conhecemos está morrendo. Temos atualmente um
mundo individual onde a agregação é frágil e restrita a grupos muito pequenos,
isolados e autônomos. O avanço da Ciência, o enfraquecimento de um poder
politico, e o vazio religioso estão provocando uma desorganização social, onde
predomina o individualismo e os laços afetivos tornam-se fracos, quase
ausentes.
Creio que esta fase é transitória para nova forma de sociedade,
ainda a se formar, uma vez que a ciência anda em saltos e se estabiliza a
seguir, onde os avanços tornar-se-ão lentos e um poder “superior” será invocado
como medida extrema ao desamparo que se estabelece, é só aguardar um tempo não
mensurável.
Enquanto isto a marginalidade nas populações mais frágeis, o
financiamento do crime nos grupos de maior poder e a desagregação familiar se
faz sentir e deve se agravar atingindo a sociedade como um todo.
Só nos resta aguardar o novo equilíbrio, que espero que seja
breve.
01/02/13
Tony-poeta