O Paraíso é um
arquipélago perdido no Oceano, lá reina a paz e, lindas virgens esperam os
homens que foram perfeitos nesta vida. Como estão vestidas com roupas típicas
do Havaí, creio que fique por aqueles lados. A paisagem, logicamente paradisíaca,
tem um pomar repleto de frutas de todas as partes do mundo, menos maçãs, vetada
por motivos óbvios. As musas com seu discreto rebolado, aguardam com cestas de
tâmaras os eleitos, que por lá passarão a eternidade.
Estas lindas moças,
todas moradoras desde a Idade Média, quando foram recolhidas a mosteiros e
retiros, esperam os eleitos. Esta pequena ilhota foi criada como extensão, uma
vez que as outras ilhas já estavam lotadas. Isto aconteceu na Idade antiga e
média. Nos tempos atuais há dias paradisíacos não chega ninguém. O dia nestas
paragens dura cento e onze anos e quatro horas.
Das vinte eleitas,
por sorteio, houve uma divisão em dois grupos de dez eleitas, que pacientemente
aguardam há anos locais. O grupo mais antigo, será o primeiro a receber o
hospede que está por chegar, já tendo sido anunciada sua breve presença.
Na manhã festiva,
com o mar verde e o céu azul, a brisa tremulando levemente para refrescar, as
dez sortudas já estavam de prontidão, com a cesta de tâmaras recém colhidas, a
saia bem passada, e também o bustiê. Andavam sedutoramente de cá para lá, como
preparando o corpo para agradar o eleito que se apresentaria.
Logo chegou
Sigismundo, o Gabiru. Este apelido é dado as pessoas que nasceram e viveram nos
lixões, ou seja, nos depósitos de lixo das regiões pobres do Nordeste do
Brasil, hoje praticamente extinto. O fato de nascerem em total desnutrição, com
seus pais desnutridos fez com que não crescessem normalmente; o nosso
personagem tem um metro e quarenta e oito centímetros, a pele desnutrida fica
pardacenta devida as precárias condições de vida, bem como os cabelos se tornam
ralos. O nosso personagem, apresentava os cabelos amarelados e espetados e a
pele de uma cor pardacenta e encarquilhada.
Porém Sigismundo foi
um grande homem, honesto obsessivamente jamais lesou quem quer que seja. Casou
e teve três filhos sendo abandonado pela esposa que alegava que ele não tinha
iniciativa, não aspirava o melhor e nunca usara de artimanhas ilícitas para
conseguir mais, coisa comum em todo ser humano, além do mais nunca roubara como
os vizinhos. Por isso se mandou, deixando-o na mão com as crianças.
Com três filhos,
trabalhou com afinco. Nascia o sol e já estava garimpando o que poderia ser
útil no lixão. Era o último a sair, mal se alimentava. Assim conseguiu um
carrinho de mão com uma carroceria de caixas de madeira abandonadas e duas
rodas de bicicleta, o que permitiu que negociasse no vilarejo o que conseguia
salvar. Além de comerciar com o carrinho, cansou de levar gestantes e crianças
doentes ao Centro de Saúde recém fundado, para que se tratassem, salvando
muitas vidas. Deste modo fez com que os três filhos estudassem, tivessem uma
profissão e casassem.
Morreu dias após o
casamento de seu terceiro filho, devido à desnutrição desde o nascimento e o
ritmo de fome e penúria que passara pela vida. Realmente era merecedor de
habitar a ilha.
A recepção foi formal,
diria até um pouco fria. Mesmo após tanto tempo, as moças não demonstraram
nenhum entusiasmo com o recém chegado. Ofereceram as tâmaras para que ele mesmo
comece e até o rebolado transformou-se num anda normal e firme.
Algumas horas depois
chegou o segundo homem bom, chamava-se Sigmund. Brasileiro, descendente de
eslavos morreu tentando salvar um bebedor de vodca de um metro e noventa e
cento e vinte quilos que se afogava, após conseguir, completamente bêbado,
virar um luxuoso iate branco. O novo morador já tinha salvo a loira do convés
[estes barcos sempre levam uma loira] e os dois tripulantes, porém o mastodonte
se agarrou ao mesmo, em desespero por não saber nadar, e foram os dois ao fundo
do mar.
O novo habitante
tinha olhos e cabelos claros, um metro e oitenta e corpo atlético. Era
velejador. Na juventude se impressionara tanto com um campo de refugiados em
zonas de conflito na África e Oriente durante uma viagem a passeio, que toda
fortuna de família e todos ganhos em torneios de vela aplicou em orfanatos,
onde dedicou toda sua curta vida, não casando e não tendo filhos. Portanto
também merecedor do Paraiso.
A recepção do novo
morador foi um tanto diferente que a do Gabiru. As eleitas começaram a fazer o
jogo feminino do olhar, olhando rapidamente ao novo morador, com o pescoço meio
arqueado e a seguir desviando o olhar e andando mostrando com um discreto
rebolado todas suas curvas e a seguir se aproximaram, cada uma com seu cesto de
tâmaras e as saias balançantes para recepcionar o novo hospede.
Como no Paraíso se
tem visão do mundo atual e diante da diferença dos eleitos, começou
imediatamente as fofocas e os disque-disques entre as vinte moças. Afora a
disputa entre os dois grupos, dentro do mesmo grupo começaram, por motivos
diferentes, as intrigas e reclamações.
Não deu uma hora de
tempo paradisíaco e foi pedida uma reunião com o administrador do Paraíso; sim
também existe burocracia no local. Foi feita uma pauta de reivindicações. Não
acharam oportuno fazer cartazes, que ficariam para outra ocasião se necessário.
Foi exigido o seguinte:
- Como os dois
moradores são brasileiros, que se siga o modelo do Brasil. Ao invés de tâmaras,
caipirinha, mesmo.
A música deve ser
samba, bossa nova e MPB, não aquela música chata e sacra. Nas festinhas pode
ser funk.
Tem que ter
azeitonas, este tal torresmo e outros salgados junto com a caipirinha, que nem
nos trópicos.
As roupas estão
completamente inadequadas, ao invés destas tiras de peno coloridos e de mal
gosto, junto com este bustiê amarrotado; queremos que se dê preferência ao
biquíni ou fio dental para praia, com roupa solta para a tarde e uma roupa mais
provocante para noite.
Queremos colares,
brincos e barangandãs como as mulheres de lá, não, esta coroa de flores no
pescoço.
As sandálias são
muito feias, queremos escolher nossos sapatos, sapatilhas e sandálias.
Queremos um
Shopping.
Exigimos um cartão
de crédito.
A diretoria do Paraíso se encontra reunida há horas, sem uma decisão.
10/01/15
Tony-poeta