SAÚDE E
TECNOLOGIA
A Sra. K., moça que trabalha, conosco referiu que o filho estava
com febre há três dias. Indaguei se não o havia levado ao pediatra. Obtive a
seguinte resposta:
- A médica dá sempre os mesmos remédios, sobraram da outra
consulta e comecei a tratar. Citou um antibiótico e um antitérmico como
medicação.
Sei muito bem, por experiência, que os pediatras dificilmente
deixam de examinar uma criança de menos de dois anos, como era o caso. O Posto
de Atendimento Médico [PAM] é recente, foram construídos vários no Município.
São dotados de toda a infra-estrutura [Raios-X, Ultrasom, Laboratório, leitos
de observação]. Não havia descaso no atendimento médico, portanto, o que
justificaria o descrédito da jovem mãe?
O sistema de saúde aplicado no País desde a implantação do SUS
segue padrões internacionais, é muito próximo do da Inglaterra; baseado em
protocolos médicos, um tanto quanto rigorosos, onde as doenças são catalogadas
e o tratamento tem uma diretriz padronizada. Na Inglaterra está disponível na
Internet e no nosso País está sendo implantado.
No livro “O Artífice de Richard Sennett” estudando o
comportamento social da tecnologia, inclusive da medicina Britânica, o que nos
interessa, cita a Caixa de Pandora: onde a personagem mitológica expulsa do
Olimpo abre a caixinha do progresso pensando trazer melhorias para os humanos
indigentes, provoca toda a série de calamidades a partir do que julgou ajudar.
Faz uma comparação interessante com a bomba atômica, onde a equipe de
cientistas estava pesquisando uma forma de energia útil para a humanidade e não
perguntou aos financiadores como seria usada, fato conhecido pela barbaridade
de seu efeito.
Em relação à tecnologia avançada que possuímos vamos ponderar o
seguinte, a partir da jovem mãe:
Nas vezes que a criança foi consultada, a mesma teve toda
atenção necessária. É fato e dispunha de todos os meios para qualquer
eventualidade, o que também é correto.
A mãe que posição ocupa nesta consulta, além de receber a
receita e a orientação de como administrar a medicação? Pelo protocolo a conduta
foi exata, mas a mãe não ficou satisfeita. Por quê?
Temos o hábito de atribuir à fala, a única possibilidade de
comunicação eficiente. Na medicina não é bem assim, desculpe-me os burocratas
de plantão.
Vamos iniciar pelo “olho clínico” que todo profissional com
experiência possui. Está provado por Rizzolatti e Siniglia, dois pesquisadores Italianos,
onde observando macacos concluíram que em nosso Sistema Nervoso e no dos símios
[pode ser que muitos outros animais possuam] um grupamento de neurônios,
denominados de NEURONIOS ESPELHOS, onde os mesmos antecipam a ação. Por
exemplo: ao pegarmos uma xícara e levá-la a boca, o animal ou humano observador
inconscientemente realiza o mesmo ato.
No chamado olho clínico, a experiência com doentes de
determinadas patologias faz com que chegando alguém com a mesma doença, a
identificação seja imediata, quando não na porta de entrada do consultório.
A psicanálise principalmente e a filosofia mais recente tem
informações importantes para a comunicação sem fala. Tanto uma como a outra
admite que o SER ou Espírito para os Religiosos, assume o corpo que irá habitar
tendo que o reconhecer. A vida, mesmo para filósofos católicos é Dom do Planeta
e única, já que o ser que irá nascer tem que reconhecer seu corpo, fenômeno chamado
de Ipseidade pelo filosofo Ricoer, termo antigo que foi trazido à tona por ele.
Só depois de saber o que ele é [no caso o ser humano] vai desenvolver a
alteridade, ou seja, reconhecer o outro; onde por inveja e imitação, segundo a psicanálise,
irá se tornar pessoa. Somos todos invejosos e imitadores, mas é outro assunto.
Nesta fase quando o humano está se tornando pessoa, o que ocorrerá
somente na hora em que o mesmo souber que se chama Pedro, Maria ou Antonio, a
única comunicação é inconsciente e com a mãe, que se torna sua Porta-Voz e
através dela terá os meios de individualmente ver e interpretar o mundo. Quem
nos chamou atenção a este processo foi Winnicott. Um psicanalista de crianças.
Esta comunicação creio eu persiste por toda a vida no
relacionamento diário do sujeito, temos exemplos em etologia, onde animais, que
não tem nossa fala, se reúnem em lugares distantes onde o cheiro e os rugidos
não são sensíveis. Alguns primatas que fazem coletas isolados, no final do dia
se encontram em algum lugar da floresta, local nunca repetido e todos estão lá
presentes formando o grupo que se dispersou pela manhã. Os cientistas não
possuem nenhuma explicação, a não ser outra forma de comunicação, ainda não
estudada.
Foi exatamente está simbiose mãe-criança, onde um pensa pelo
outro nos primeiros anos de vida que houve a falha. A criança foi examinada e
medicada corretamente, a mãe ficou de fora.
É exatamente a comunicação entre o paciente e o médico, já no
caso de adultos [na criança tem a mãe de intermediária, ou a avó] que irá
propiciar a cura, ou pelo menos auxiliar minorando o sofrimento, no caso de
doenças incuráveis. É esta a medicina inicial exercida pelos curandeiros, xamãs
e feiticeiros, onde por meio de rituais, juntamente com ervas e os
conhecimentos que possuíam em seu grupo, faziam a religação do ser e do corpo,
o que posteriormente foi chamado de religião no sentido de re-ligar.
Portanto toda doença, até os acidentes tem o componente
psicossomático, uma vez que fragiliza a ligação do ser ou espírito e seu corpo.
A tecnologia potente que possuímos faz sua parte, porém falta o conforto do
afeto do feiticeiro representado do médico e todo pessoal da área como
enfermeiros, fisioterapeutas, auxiliares, camareiras, que com ritual próprio
irá religar e formar o todo.
A medicina atual objetivada pela eficiência, por falta de
profissionais da área médica [o numero de profissionais exercendo uma medicina
de contato íntimo com a família seria infinitamente maior] e, procurando adequar
o custo monetário está, isto no planeta todo, não só em nosso País, perdendo a
relação médico paciente que é a base e a origem da arte de cura.
A burocracia e os custos são necessários na sociedade
capitalista que vivemos, mas não são soberanas, uma vez que nem o doente nem o
médico devem se preocupar quanto custa e qual o programa de analises complementar
ou internet vai ser usado. O doente quer conforto e o médico cuidar, o restante
para ambos é acessório. Os aparelhos são modernos e a arte de curar vem da origem
da civilização. Vamos tomar cuidado com esta caixinha de Pandora.
Antonio Carlos Gomes
Médico