DONA IOLANDA E O LEXOTAN
Terminado
seu almoço Dona Iolanda, professora aposentada após trinta anos de magistério,
se dirigiu a farmácia próxima à sua casa, onde costumava comprar as medicações
receitadas nas consultas que fazia no Centro de Saúde. Iria comprar uma
caixinha de Lexotan.
Tomava
esta medicação há vinte anos, desde a morte de seu marido. Na época, com três
filhos adolescentes estudando, com o baixo salário de professora, viu-se com a
morte súbita do mesmo, diante de uma queda substancial de renda que veio
agravar sua vida familiar. Foi parar no psiquiatra, completamente
descompensada.
A
medicação ajudou muito, foi progressivamente diminuída e o referido remédio
ficou para ser usado em momentos de crise de angústia, apenas meio comprimido
se necessário.
Os filhos
se formaram, cada um tomou seu rumo, e a medicação ficou mais como efeito
psicológico na caixinha de remédios, onde nas crises de solidão da casa vazia,
quando ocasionalmente batia a insônia, tomava meio comprimido, sabendo que era
mais um efeito psicológico do que uma ação efetiva e, ia dormir. Cada embalagem de 30 comprimidos durava no
mínimo seis meses, mas a ausência dos mesmos provocava insegurança.
Ao entrar
na farmácia, de uma grande rede local, percebeu no balcão um funcionário e uma
funcionária que nunca havia visto antes, certamente novos no emprego, já que
havia visitado o estabelecimento para comprar perfumarias há uma semana. Os
demais deviam estar fazendo suas refeições.
Foi
atendida pela moça. Esta apesar de uniformizada, pelo corte de cabelos,
penteados e postura lembrava-lhe os frequentadores de uma comunidade religiosa
barulhenta das redondezas. Entregou-lhe a receita azul do calmante.
Os olhos
da balconista saltaram e certa agitação tornou-se visível. Esta se dirigiu ao
outro funcionário que confirmou a receita. Nestas alturas Dona Iolanda percebeu
claramente a confusão diante da medicação pedida. Perguntou qual o problema da
receita
- Não
entendi a letra, falou a moça.
Dona
Iolanda deu um sorriso e nada falou. Dra. Karen, que lhe havia receitado, tinha
uma letra invejável diferentemente dos garranchos de muitos médicos. O nome da
medicação parecia que estava escrita num caderno de caligrafia.
Eis que a
balconista perguntou:
- Há
quanto tempo a pessoa toma este remédio.
Diante da
pergunta inusitada, já atenta as reações da atendente, respondeu calmamente:
- Há
vinte anos.
Os olhos
da moça quase saltaram de órbita, mesmo estando diante de um computador, na
farmácia haviam cinco computadores em série, todos aptos a executar a mesma
função, dirigiu-se ao computador há três metros à sua direita, parou, pensou,
voltou pulando o computador onde atendia e foi a outro computador a esquerda,
onde com ar desolado olhava a tela.
A
professora imediatamente lembrou de Francisca, a moça que a ajudava, onde tudo
para ela era obra do demônio e a apavorava.
- Devia
frequentar a mesma igreja, pensou consigo.
- Um ou
duas caixas perguntou a atendente, com certo ar de aflição.
- Só uma,
como está escrito em letras e números, respondeu a professora, já impressionada
como descontrole da moça.
A mesma
dirigiu-se ao atendente, pegou a chave do cofre onde ficam tais medicações e
foi resoluta para os fundos do estabelecimento.
Em um
tempo muito breve, insuficiente para abrir o cofre, a mesma voltou, e tremula
falou:
- Não vou
poder vender, não tem o remédio, nem genéricos, devolveu a receita e sumiu para
os fundos da farmácia.
A
professora foi comprar na outra farmácia há cinquenta metros, inconformada de
como pode se admitir uma pessoa incapacitada para um serviço tão sério.
Comprou o
remédio sem nenhum problema no outro estabelecimento.
20/04/15
www.tony-poeta.blogspot.com
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