domingo, 2 de outubro de 2011

LENDO A SORTE conto







Por volta de mil novecentos e sessenta o Português vendeu seu boteco na Rua Batatais, em São Paulo a uma família de “Turcos”. Nome que generalizava todos imigrantes: Palestinos, Sírios, Libaneses. No caso eram Sírio-Libaneses, eles nunca definiram bem sua origem. Acreditava-se, na época, que se ricos se intitulavam Libaneses, se pobres ou remediados Sírios. Este fato nunca ficou devidamente esclarecido, mas não é de interesse nesta narrativa.

A família, pai, mãe, avó e filhos tocariam o bar onde o Português, já desanimado, só se interessava a vender pinga e alguns salgados encharcados de gordura. Junto com os ovos cosidos coloridos de anilina, geralmente azul, fazia a festa de sua minguada e sempre fiel freguesia, que bebia até a embriaguez.

O estabelecimento ficava de esquina, com um amplo salão. Era uma casa assobradada antiga com entrada independente para a residência e o bar encontrava-se intocado há muitos anos,com piso velho de cerâmica enegrecida, que por mais que se limpasse sempre iria parecer suja, bem como suas paredes, também enegrecidas pelo tempo. Estava deplorável e pelo visto o capital da família não permitiria a reforma necessária.

Bem que tentaram mudar o cardápio, colocando uns pasteis feitos na hora, e alguns tipos de salgado que aprenderam a fazer com algum conhecido. Mas, de inicio, as receitas não correspondiam ao desejo, se bem que melhoravam em mínimas doses a cada dia.

Como eram muitas bocas e pouco dinheiro, a senhora avó começou a “ler a sorte” na borra de café árabe que a família fazia para seu consumo. De principio para ser gentil com os vizinhos,mas com a fama se espalhando. Como se sabe o ser humano é ávido por quere saber seu futuro, viaja léguas só para ouvir uma vidente com seus conselhos certeiros. Como falava, logo começou, a preço módico, a “ler a sorte” da vizinhança, melhorando o caixa e a freqüência do botequim.

Na esquina diagonal do bar, a primeira casa depois do cruzamento Da. Maria tinha sua loja de decorações. Começou a verificar também sua sorte no bar dos turcos. A época era difícil. Inicio da ditadura militar, o comercio restrito e o dinheiro curto. Como boa comerciante começou invejar o mercado da sorte da vizinha. Descobriu que era uma tradição cultural, herdada de família, que a leitora de café acreditava no que fazia e o dinheiro era exclusivamente pela necessidade da época, e que seria abandonado assim que a reserva familiar atingisse um nível confortável.

Começou a matutar: não que estivesse em extrema necessidade, mas o comercio estava incerto. Ler a borra de café só dependia da imaginação o que lhe sobrava. A avó mal falava o português, isto fazia com maestria, vendia qualquer mercadoria, desde que aparecesse alguém para escutar. Mas e a tradição?

Fuça de cá, fuça de lá chegou à conclusão que podia parecer árabe. Portugal, de seus pais, esteve séculos sob domínio. Falar arrastado não era necessário, se bem que uma desvantagem. Ninguém vai a um terreiro de umbanda para ouvir o “preto velho” falar corretamente o português. Dá-se um jeito, pode-se falar que a família procedia da última região de Portugal a ser liberta e a tradição ficou nestas terras lusitanas remanescentes, não necessitava nem de sotaque, nem de turbante, Foi comprar o pó grosso do café árabe.

De inicio deu muito certo. Conseguiu dividir a clientela da sorte, a loja ficou cheia.

A avó conseguiu depois de alguns meses o capital para a reforma do estabelecimento. Como havia prometido, seguiu a tradição familiar de ler a sorte somente nos momentos adequados. Da Maria, logo depois, voltou a cuidar somente da loja desprezando a freguesia total que herdara. Um cliente muito supersticioso seguiu seus dizeres e não deu certo. O que falou a ela não se sabe. Mas nunca mais quis ser adivinha.

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