sexta-feira, 16 de março de 2012

FETICHE - crônica poética


FETICHE – crônica poética





Na travessia da balsa, sou o primeiro carro após as motos. Volto ao Guarujá, é uma sexta feira, depois de um dia de trabalho. Vão à balsa: cinco motos, a população da redondeza espalhada e a pé e vários carros. A maioria dos automóveis é de pessoas que descem para as casas de praia, que proliferam na Reserva, sabe-se lá como?

A moto, a minha frente, tem o motoqueiro, um bagageiro de entrega, destes baús que são usados para pequenas encomendas, e no meio, espremida, uma moça; de jeans e blusa preta, com seu devido capacete. Quem dirige, também de preto, com capacete preto é um sujeito, aparentemente forte, com cerca de cem quilos.

Uma vez a moto parada, a moça sai do aperto, com certa dificuldade, tanto pela exigüidade do espaço, como pela calça ajustada delimitando os quadris. O rapaz, não se move. As demais motos e alguns carros também saem para o espaço comum da balsa, para travessia. Geralmente os ocupantes de veículos de ar condicionado ficam dentro dos mesmos, já que o tempo está nublado, escuro com uma discreta névoa úmida, apesar do calor. A travessia é rápida, próximo de cinco minutos até atracar do outro lado, incluído as manobras do balseiro.

A meu lado, numa Pagero, pela porta do carona, desce um rapaz de trinta e cinco anos, com a esposa ao volante; pede passagem à moça da moto, tocando-lhe seu ombro. Sem esboçar nenhuma expressão de agrado ou desagrado, cede-lhe passagem.

O movimento muito delicado e discreto chamou-me atenção. Era uma jovem, possivelmente casada com o rapaz que dirigia a pequena moto, tinha a aliança. Reparei que era uma moto comum de entrega de baixa potencia.

Graciosa era a moça, com traços faciais finos, bonita, portanto. Um corpo escultural, cabelos negros e compridos, lembrando o cabelo das indígenas completavam agradável visual.

Não foi difícil deduzir o motivo da aproximação, podia-se ver o canal de outro lugar e não de onde a moça estava.

O suposto marido não se mexia, a moça se movimentava parecendo num bale treinado, com finos movimentos delicados, tão discretos a ponto de chamar atenção; tendo o olhar um deslizar suave, observando todas as reações em volta, sem que sua face a denunciasse com nenhuma expressão de prazer ou repulsa.

Logo a seguir, de um Audi atrás de mim, saiu um senhor de sessenta e poucos anos, obeso, com uma vasta barriga, cabelos e bigodes brancos, se aproximou da ponta da embarcação.

O dia estava escuro, as águas do canal refletindo o céu não tinham o azul. À tarde chuvosa espantara os mergulhões, garças e todas as aves aquáticas que vivem em bando no local. Não se viam aves; o mangue que rodeia a margem fica melancólico e pensativo nestes dias, recusando as cores. Esmaiado induziam a interiorização, sem seu esplendor de luzes. Mas a ponta da balsa atraia expectadores, a moça escultural continuava com movimentos mínimos discretos do corpo, olhar percrustrando os movimentos curiosos a seu redor.

Indaguei-me: Fez esta moça uma lipoescultura e observa o resultado?  Ponderei que não. A cirurgia teria que ter tido a maestria de um grande escultor, muito difícil para quem anda numa moto de entregas. Mas não era uma exibicionista, não agredia em gestos bruscos para se mostrar; na verdade os gestos eram movimentos muito leves, quase imperceptíveis. Mas, se nascida fosse assim, por que teria esta curiosidade no olhar que anotava tudo? Qual a razão do marido, na moto onde deveria ter descido não se alterar. Será que: com a viseira escura de seu capacete olhava como a mulher, a movimentação dos homens excitados com o corpo?

A balsa começou a chegar para atracação. Os galanteadores frustrados voltaram a seus veículos. A moça espremeu-se para entrar no vão, entre bagageiro e o marido, fazendo movimentos forçados pela limitação da calça ajustada. Colocou o capacete. A moto saiu lentamente, devido ao peso do motorista. O fetiche sumiu no onirismo da estrada, rodeada da mata tão meditativa.





16/03/12

tony-poeta pensamentos




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