BOATE
SALOON E A BRIGA NA BOATE.
Nos anos sessenta a Rua Augusta tinha atingindo seu apogeu. A
rua de paralelepípedos cor de rosa tinha duas boates com alta frequência, entre
a Avenida Paulista e a Rua Estados Unidos, o Hi-Fi e a Saloon.
A boate Hi-Fi ficava no andar superior de um sobrado, com uma
escada de 45º de acesso que percorria da frente ao fundo do prédio, pode se
considerar uma grande escada íngreme. No solo ficava a loja de discos e outra
de roupas, do mesmo nome, com novidades dos EUA em CD’s e compactos. Era
relativamente pequena, com amendoim grátis e farto, ambiente muito escuro e o
som ficava por conta do toca discos. Não havia ainda nem luz negra ou estroboscópica,
que chegaram alguns anos depois.
A Boate Saloon era sem dúvidas o chamariz. Ficava do outro lado
da rua, no fundo de uma galeria de lojas, com entrada do lado direito. O afluxo
era grande e já se formava na época aglomeração na entrada nos finais de
semana, o que era controlado pelo Pedrão.
O Pedrão era um ex-boxeur, peso pesado, do tamanho da porta e
evidentemente muito forte. O seu corpanzil fechava literalmente a entrada e,
para ter acesso, ou sair do estabelecimento dependia dele, que fazia a triagem por
conhecimento ou simpatia. De quem ele não gostasse não entrava. Havia mais dois
ou três seguranças que ficavam do lado de dentro, não interferindo no trabalho
grande porteiro.
Passando a porta, um pequeno Hall dava acesso à escada e
consequentemente a boate propriamente dita, bem maior que sua concorrente do
outro lado da rua; com espaço que compreendia o subsolo do prédio, o que hoje
seria a garagem. A esquerda estava o balcão e a cozinha, a seguir o palco, e os
camarins atrás deste; e a direita quatro fileiras de mesas contornando o
tablado onde se dançava Twist e Rock de sucesso na época. A música já era ao
vivo, com conjunto contratado pelo estabelecimento.
Num final de semana, dois grupos de jovens rivais, os famosos Boys
da Augusta se desentenderam e iniciaram uma briga de grupos [na época não era
comum o uso de armas, felizmente]. Por se tratar de muitos elementos de cada
lado generalizou o caos no estabelecimento. Corri para a parte mais distante
junto às paredes; notei que a banda guardou em instantes seus instrumentos e se
escondeu no camarim atrás. Os garçons desapareceram na cozinha e no balcão. Os
seguranças devem ter se sentidos inseguros, pois não apareceram.
Foram só mesas, cadeiras, copos e garrafas que voaram, em meio
de pânico geral. As garotas e garotos de 18 a 22 anos procurando abrigo sem
encontrar, gritos dos briguentos e dos fugitivos tomando conta do ambiente.
Por ser de moda e, com medo dos Hippies que frequentavam as
imediações a policia foi pronta a chegar e desfez a confusão, prendeu os
contendores para que estes pagassem os prejuízos e a boate fechou naquela
noite; os acidentados foram só pequenas escoriações e não me lembro de relatos
de Boletins de Ocorrências.
Este fato veio-me a memória com o Incêndio da Boate Kiss. Após cinquenta
anos, ou seja, meio século a segurança piorou. Hoje temos show pirotécnico em
ambiente fechado [absurdo], revestimento acústico inflamável para incrementar o
risco [não existia tal revestimento na época], continua com uma só porta de
entrada com vários Pedrões na mesma conferindo comandas, e... continua sem saída
de emergência ou rota de fuga. Lastimável.
Creio que existam leis especificas para cada item [não pesquisei],
creio que os envolvidos devam ser punidos dentro de suas responsabilidades,
incluindo o empresário, os músicos, os seguranças mal treinados, o órgão responsável
pelo alvará de funcionamento [se não foi revalidado é porque já havia anterior
e estava permitido], o Ministério Publico a quem cabe velar pela segurança do
cidadão. Não podemos investigar o meio século em que as leis foram
sistematicamente burladas, mas deveria ser feita uma advertência aos antigos
responsáveis, mesmo que falecidos.
O mais importante no momento é saber quantas casa iguais temos
no País, creio que cheguem a centenas; se estão sem condições como estava a
Kiss e que se tomem as medidas de interdição as irregulares, até que cumpram as
normas. Por outro lado, dada à gravidade demonstrada pela tragédia, que se
institua na Câmara Federal um projeto lei, normatizando com rigor a nível Nacional
tais estabelecimentos.
Quanto às famílias enlutadas resta apenas dar nossa tristeza e
solidariedade, e pedir que outros planos astrais aliviem sua dor.
28/01/13
Tony-poeta
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