quinta-feira, 9 de fevereiro de 2012

CLARA







                               CLARA





Sete da manhã. Clara saia. Tinha que estar na cidade às nove. Era seu primeiro emprego. Acabara de fazer dezoito anos e iria trabalhar para Dr. João, o médico mais velho e conhecido da cidade. A família torcia pelo seu futuro.

Sua residência situava-se dentro da Reserva Ecológica. Numa casa na encosta rochosa que servia de atracadouro. Um lugar muito bonito, não tinha praia, os turistas não incomodavam. Moravam cinco famílias, todos pescadores e aparentados. Sempre moraram lá.

Sua mãe tinha nascido na cidade, estudou até a quinta serie. No trabalho precisava ler. Foi quando conheceu seu pai indo morar na vila. Era filha de alemão com Negra, por isso que Clara era tão branca, quase loira. Seu pai caiçara tinha a pele mais escura, mas dizia que tinha um bisavô holandês.

Na verdade chamava-se Ana Bolena, é que sua mãe tinha lido num livro, que era a mãe da Rainha da Inglaterra. Mas por ser branca, com todos os irmãos e primos escuros o apelido ficou.

Para chegar à cidade tinha de pegar uma picada até o caminho, que era outra trilha. Era uma subida de cinco minutos na mata. O caminho para a balsa mais quinze minutos, tudo de terra. Depois, saindo da travessia, duas quadras à frente era o consultório.

Olhou no espelho. Estava bem arrumada. Estava chique a ponto de ir a um baile. Quando acertou com o médico, há uma semana, a Madrinha Maria lhe emprestou o cartão. Ia trabalhar com médico. Tinha que estar arrumada. Foi com ela até a melhor loja da cidade, a loja da Mariquinha. Comprou um vestido mostarda. Não gostou muito da cor, mas era a Moda. Agora estava até se achando bonita vestida nele. Comprou um sapato com um saltão e uma bolsa cara. Mariquinha disse que era Louis Vuitton, mas seu irmão falou que era falsa. Mané era muito falador. Pelo preço devia ser legitima. Ia ter de pagar oitenta reais por mês para a madrinha, por dez meses. Mas ia ganhar.

Começou o trajeto planejando o futuro. Nunca tinha usado salto tão alto, no máximo um saltinho para ir ao culto. Andava se equilibrando sobre a trilha e escorregava cada vez que pisava num pedrisco que se deslocava. Pensava:

-Vai valer à pena. Já acabei o colegial, fui a melhor aluna. Não fiquei pensando em bobagens. A Rita e a Matilde da minha classe já arrumaram filho. Eu não. Só vou namorar e casar quando arrumar um bom menino na Igreja. Vou casar virgem. Não vou fazer bobagens. Vai ser conforme minha religião. Já estou chateada que minha madrinha me fez cortar os cabelos. Levou-me até o salão. Meu pai e o Pastor aceitaram porque era para meu bem. Não sei que mal tem trabalhar de coque. Mas vai dar certo. Dr. João é muito querido e conhece o prefeito. Vou trabalhar direito. Fazer um curso de Técnico de Enfermagem. O Dr. me apresentando, o Ismael falou, consigo o tal de cargo comissionado, vou trabalhar na Prefeitura. Depois presto concurso e fico que nem o Sr. Severino, que fez assim e tem até carro e estudou os filhos.

Escorregou uma pedra que pisava. Quase caiu. Equilibrou-se. Continuou a pensar. Este sapato não é bom. Não sei andar com este salto. Sorte minha que estou andando devagar, não posso suar.  A madrinha me falou que borra o pó. Mas acho que no consultório tem um lugar para guardar as coisas. Depois é só deixar o pó, também os sapatos e a bolsa guardados. Vou andar do jeito que estou acostumada. Me arrumo lá! Chego antes e, pronto.

Chegou à balsa. Os carros estavam entrando. Os pedestres entravam depois. Era de graça para as pessoas. Olhou os carros importados dos turistas. Pensou:

- Que bobagem estes carros modernos. O Vilásio tem uma perua velha, cuida direito, e dá carona para todo mundo que precisa. Quando casar, um carro conservado já serve. Entrou na balsa. Dez minutos depois estava na cidade.

Logo que avistou o consultório viu uma porção de gente na porta. Pensou:

-Tenho que chegar mais cedo, o pessoal vem de madrugada consultar. Chegando à porta lhe avisaram:

-Dr. João morreu dormindo. Sofria do coração. Coitado!

Clara ficou passada. Andou o mais depressa que conseguiu retornando a balsa. Não pensava em nada. Chegou à trilha, tirou o incomodo sapato, voltou a pensar:

- O que Deus faz tá feito, é pro meu bem. Vou arrumar umas faxinas para pagar a prestação desta roupa inútil. E subiu a trilha descalça com o sapato e a tal bolsa de marca incomodando suas mãos.





09/02/2012

tony-poeta pensamentos




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