quarta-feira, 7 de março de 2012

O CARDIOPATA

O CARDIOPATA





Seu Chico estava internado; a enfermagem falou que era a terceira vez. Foi assim que me deparei com um senhor de sessenta anos, com Mal de Chagas, inteirinho inchado, com falta de ar intensa.

Eram comuns doentes internados neste estado. O Barbeiro, agente transmissor da doença, já havia sido controlado pelo brilhante trabalho da SUCEN, mas como a doença aparecesse muitos anos depois do contagio, geralmente décadas, o numero de pacientes se tornava significante. Conheci o doente, lúcido, agradável de fácil papo, que conhecia sua enfermidade e estava ciente de como se cuidar em casa, mas mesmo assim estava na terceira reinternação.

Evoluiu rapidamente de modo positivo e, em quinze dias já estava sem falta de ar, sem edemas. Estas internações costumavam ser demoradas. Medicado, reforçando que não poderia comer sal, foi para casa.

Mês e meio depois estava de volta no mesmo estado. Chamei a família: ou a família não está dando direito a medicação, ou esta dando sal, é alguma falha doméstica, pensei.

Os familiares atenderam prontamente, estavam inteirados e preocupados com a doença. Pareceram-me sinceros; não era o fator de agravamento. O Seu Chico devia comer sal escondido, pensei. Orientei que a família o vigiasse, quando da alta.

No mesmo prazo anterior, evoluiu a contento no tratamento e teve alta.

Mais dois meses estava ele de volta, igual. Já sem ter nenhuma idéia comecei a medicá-lo; quando a enfermeira percebeu que o mesmo trocava seu prato sem sal, com o vizinho, com dieta normal. Comia sal no Hospital também e, desinchava.

 Complicou ainda mais. Também não era o sal. Realmente não encontrava uma explicação para dar uma estabilidade longa ao paciente, já que a doença não tem cura.

Nessa duvida comecei a fazer conjecturas, e entre elas me lembrei dos primeiros anos de faculdade. As aulas teóricas de psiquiatria. Quem as ministrava era o Dr. Alfredo Menotti Colucci, recém chegado a Marília. Suas aulas haviam me marcado, nem tanto pela especialidade, já que o futuro médico imagina que tudo é uma questão matemática, ou seja, o órgão funciona assim, descompensa por determinada causa, dá-se uma medicação para anulá-la e maravilhosamente está tudo resolvido.

Mas mesmo com esta distorção simplista originária, se posso assim chamar, sua aula era diferente. Não alterava a voz, falava cadenciado, sempre no mesmo ritmo e muito baixo, de modo que se quiséssemos tirar nota na prova, teríamos de prestar atenção. Este método, diferente, me fez notar que ele com os olhos já analisava os alunos. Era ainda psiquiatra e se especializou depois atingindo o titulo de Autodidata, o maior titulo da psicanálise e de Secretário da Associação Brasileira de Psicanálise, o que é muito honroso. Mas voltando para a análise a distancia que fazia dos alunos. Curioso, eu ficava tentando analisar o que ele analisava. Com isso, aprendi apesar de meu descrédito, alguma coisa. Muito pouco, é verdade.

Fui conversar melhor. Este senhor criou seus filhos com trabalho árduo e pouco remunerado, casou-os, conseguiu uma pequena aposentadoria satisfatória para suas necessidade, poucas na verdade e construiu uma casinha. Quando estava descansando, os filhos voltaram e se aboletaram na casa. Cada quarto ficou um filho e cônjuge, sua gravidez, e os filhos já paridos. Não era o planejado. Cada quarto tinha uma família. Conclui: que o barulho que entrava pelos seus ouvidos conseguia inchar suas pernas e o Hospital era seu descanso.

Na verdade não tinha como resolver e, não sabia. Continuei medicando seu Chico e arrumei um Curso de Psicossomática para aprender direito e, fui de volta às aulas.



07/03/12

tony-poeta pensamentos


Nenhum comentário:

Postar um comentário