terça-feira, 28 de fevereiro de 2012

A VISITA DOMICILIAR



Entrei em 1975 na Pericia Médica do INSS. Marília tinha participado da criação dos serviços periciais, tendo o Dr. Aurélio da Mota contribuído no Rio de Janeiro para implantação da mesma. Tinha como finalidade, e ainda a tem, evitar fraudes que eram e são freqüentes por envolver grandes quantias em dinheiro e, por outro lado proteger o trabalhador quando doente.

Meu ingresso, de caráter emergencial deveu-se a convite do Dr. Aurélio e Dr. Gustavo Godoy, quando fazia o primeiro curso de Medicina do Trabalho da FUNDACENTRO.

Também trabalhavam na Perícia Dr. Simão Andrade Ribeiro, que fazia a Perícia Externa e Dr Antonio Damião Casella na pericia de acidente de Trabalho e Dr. Sakae Horita. Juntamente comigo também começou Dr. Antonio Aparecido Turato, que também fazia o curso.

A Pericia, na Rua Campos Salles era apertada. Só existiam duas salas, tínhamos que revezar. O problema é que se assinava ponto, e como só teria sala às onze horas para atender, tinha de rubricá-lo as sete, pois a chefe Da. Helga pontualmente a assinava no limite do horário e quem assinasse abaixo estava atrasado. Isto muitas vezes me fez levantar, colocar a roupa sobre o pijama, correr, assinar o ponto e voltar a dormir. Era comum se passar a noite na Santa Casa assistindo doentes graves. Não havia acordo com a chefa.

O Dr. Casella ficava em uma mesa no setor de benefícios, raramente via doentes. Sua função era mais de conferencia de acidentes. O que fez nosso contato aumentar foi uma máquina Facit. Esta máquina de calcular era capaz de realizar, por meio de botões e manivelas, as quatro operações. Era o que havia de mais moderno na época. O nosso perito, enquanto aguardava os processos ficava brincando com ela. Tinha uma na sua mesa. Tentava fazer potenciação, raiz quadrada e outras operações não previstas. Como ninguém entendia o que tentava e, descobrindo que eu fazia cálculos mentalmente começou a mostrar-me suas descobertas. Nem todas as operações eu entendia, mas ouvia. Ele era realmente muito inteligente, com um problema: contestava o mundo. O mundo para ele sempre deixava a desejar.

Certo dia me chamou e pediu para ver um de seus pacientes. Alegou que teria que viajar a tarde e tinha prometido passar na casa da Senhora tal [não me recordo o nome]. Falou ser coisa simples, talvez um resfriado, que a família era muito simpática e acolhedora e que costumava cobrar certa quantia, que era para manter o preço. Normalmente o doente sendo do colega, o preço a seguir é o dele, era assim que funcionava.

Marquei as seis, após o consultório e ele ficou de avisar a família.

Fui à visita, realmente fui muito bem recebido. Tinha uísque, suco e café me esperando, era costume receber o médico com gentilezas. Tomei o suco, fazia calor. Atendi a Senhora idosa, sempre acompanhada de sua filha muito gentil. O cheque estava pronto. A doença banal. Tudo certo.

Alguns dias depois nos encontramos, elogiei a paciente e a filha mas, notei um sorriso enigmático e até maldoso em seus lábios. Pensei até: - Que maldade ele está preparando para estas pessoas tão gentis?

Logo descobri, ele falou:- É minha sogra, estavam exigindo demais e te mandei para pararem de “encherem o saco”. A mais jovem é minha esposa.

Perdi o chão. Não se cobra de esposa de colega, o relacionamento nesses casos é mais afetuoso por parte do médico, afinal trabalhamos juntos, a relação vai mais para o campo da amizade.

Tentei devolver a consulta, mas ele morria de rir. Por fim pedi que não repetisse estas brincadeiras. Ele continuou rindo.

Com o tempo ele se aposentou e nunca mais nos encontramos.






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